sábado, 11 de fevereiro de 2006

O filme cósmico

“Bom, todos nós estamos no filme cósmico, sacou?
Isso quer dizer que no dia que você morre, você
tem que assistir toda a sua vida em reprise eterna,
em Cinemascope e 3D. Então, é melhor que haja
alguns bons incidentes acontecendo lá...
e um final bem apropriado!”
-- Jim Morrison
[1]



A morte prematura de um astro de rock não é mais novidade atualmente. A história da música está cheia de exemplos de jovens cantores que abandonaram a vida no auge da fama e acabaram se tornando mártires: Janis Joplin, Renato Russo, Jimmy Hendrix, Cazuza, Kurt Kobain, Laine Stanley, Rita Lee... A lista poderia se estender por páginas e exemplifica o quanto a filosofia do “e melhor queimar de uma vez que ir apagando aos poucos” tornou-se popular.

Isso hoje. Em julho de 1971, entrar nessa lista era uma atitude muito destemida para um rock star. E é aí que entra em cena Jim Morrison, o líder do The Doors. Pode-se dizer que o Lizard-man – como Morrison gostava de ser chamado – foi o precursor dessa onda de mártires do rock, pois, logo após sua morte, ele foi beatificado pela poética beat (sacou o trocadilho?!) e pelo couro preto. Tanto que para os fãs-órfãos que até hoje peregrinam anualmente para o Perè Lachaise[2], ele é o próprio Che Guevara do trinômio sexo_drogas_e_rock’n’roll.

Escrevo este texto enquanto escuto o disco L.A. Woman, e fico pensando comigo: “O que será que ele diria de tudo isso? Será que ele levaria a sério essa história de mártir do rock?”. Acho que ele provavelmente tiraria um sarro. Morrison não se considerava roqueiro, mas um poeta. Além disso, ele não era tão sentimental em relação à “revolução do rock”, como ele próprio demonstrou em alto e bom som na música “Rock is dead”:

O rock está morto,
Deve haver algo mais em seu lugar.
Morra, morra, morra,
morra...
Está tudo acabado baby

Isso pode parecer cinismo, mas, para mim, ele não era apenas mais um suicida_do_rock como muitos dizem. Acredito a maior lição que podemos tirar de sua morte é que ele escolheu intensidade ao invés de duração. Acho bem mais plausível que ele tenha feito de sua vida um exemplo para todos aqueles que refreiam os próprios desejos e se acomodam diante da mesmice do cotidiano. Ao invés de se conformar, ele preferiu viver a vida em toda a sua potencialidade.

Daí a citação do começo desse texto. Segundo Morrison, não é só porque temos problemas que devemos desistir de viver. Problemas todos têm. O importante é fazer com que o filme cósmico, a nossa vida, nunca caia na monotonia, e que haja sempre algum lance interessante acontecendo, pois, além de sermos os atores principais, após a morte, seremos os expectadores perpétuos.

Fico por aqui, e só para terminar segue mais um pensamento:

"Dizer sim à vida até diante de seus problemas,
mais estranhos e difíceis; o desejo de viver acima
de exaustão mesmo diante dos maiores sacrifícios
- isso é o que chamo de Dionísio, o que entendo
como a passagem para a psicologia do poeta trágico.
Não para se dispor do trágico e da compaixão, mas
para transformar-se na alegria eterna de
transformação, acima de qualquer terror ou piedade".
-- Jim Morrison

Até mais.

Marcos

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Notas:

[1]"Well, we’re all in the cosmic movie, you know that! That means the day you die, you gotta watch your whole life recurring eternally forever, in Cinemascope, 3-D. So you better have some good incidents happenin’ in there… and a fitting climax!"
— Jim Morrison, na introdução da música ‘Been down so long’ durante o show realizado no Cobo Arena, Detroit Michigan, em 8 de maio de 1970.

[2] Um famoso cemitério, em Paris, que carrega a reputação de ser o cemitério mais famoso do mundo. Entre seus "hóspedes" estão os escritores Molière (1622-1673), Honoré de Balzac (1799-1850) e Oscar Wilde (1854-1900), o músico Frédéric Chopin (1810-1849) e o espírita Allan Kardec (1804-1869), além do roqueiro em questão.

Um comentário:

annarraissa disse...

Vigi, fiquei tonta...
Parabéns pelo texto, Marquito. Muito bom.
Beijos.
PS.: Continuo precisando da sua ajuda. Acho que meu blog tem vida própria (e pior: essa vida própria é um tanto quanto rebelde...)

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