domingo, 1 de maio de 2005

A incapacidade de ser verdadeiro

Carlos Drummond de Andrade

Paulo tinha fama de mentiroso. Um dia chegou em casa dizendo que vira no campo dois dragões-da-independência cuspindo fogo e lendo fotonovelas. A mãe botou-o de castigo, mas na semana seguinte ele veio contando que caíra no pátio da escola um pedaço de lua, todo cheio de buraquinhos, feito queijo, e ele provou e tinha gosto de queijo. Desta vez Paulo não só ficou sem sobremesa como foi proibido de jogar futebol durante quinze dias.

Quando o menino voltou falando que todas as borboletas da Terra passaram pela chácara de Siá Elpídia e queriam formar um tapete voador para transportá-lo ao sétimo céu, a mãe decidiu levá-lo ao médico. Após o exame, o Dr. Epaminondas abanou a cabeça:

- Não há nada a fazer, Dona Coló. Este menino é mesmo um caso de poesia.

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Texto extraído de: ANDRADE, Carlos Drummond de. A cor de cada um. Rio de Janeiro, Ed. Record, 1998.

2 comentários:

No meio do meu caminho disse...

Que coisa linda! eu ainda não conhecia esse texto do Drummond. Sabe de uma coisa? Eu também sou um caso de poesia!

Aff disse...

Ah vc é.... vc é mt

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