domingo, 19 de fevereiro de 2006

De calças curtas

Eleominilson escutou a porta sendo aberta e rapidamente tratou de fechar a janela do navegador. Na pressa, apertou mais teclas do que devia e o computador travou com o browser aberto, mostrando uma fotografia hardcore de uma loura numa pose tirada diretamente do Kama Sutra. A saída seria desligar o computador de vez, mas, para fazer isso, ele teria de se enfiar embaixo da mesa, deixando o monitor totalmente desprotegido. Era tarde demais, Irisdelfane estava parada na frente dele, de braços cruzados e com a testa franzida. Era melhor disfarçar.

– Oi amor. Tudo bem?

– Não.

Mau começo. Era preciso pensar rápido.

– Você cortou o cabelo? Sua franja está lindíssima.

– Você bebeu, Eleominilson? Eu não tenho franja. E faz mais de um mês que não vou ao cabeleireiro.

– Ah, mas que coisa. Eu achava que esse corte seu chamava “franja”. Vamos lá na sala para você me explicar melhor os nomes dos penteados femininos?

Eleominilson começou a levantar, jogando o corpo na frente do monitor, mas Irisdelfane não se moveu. Ele se sentou de novo.

– Você está na Internet outra vez, não é?

– Na verdade, não. Veja só, o computador travou, e, por falar nisso, você não quer me fazer o favor de desligar a CPU? É só apertar aquele botãozinho ali.

Mas ao invés de apertar o botãozinho, Irisdelfane empurrou a cadeira de Eleominilson e encarou o monitor.

– Não acredito!

Era preciso agir rápido. Partir para o ataque. Mostrar quem usava as calças naquele casamento. E aproveitar para reiniciar o computador.

– Não acredita no quê, Irisdelfane? Você está presumindo que eu fui atrás dessa foto? Está? Mas e se na verdade eu tiver recebido pelo e-mail? E se ela tiver chegado numa mensagem em branco, anônima? Ou pior, numa mensagem do Marcunguduvaldo? Como é que eu não ia abrir um arquivo mandado pelo meu melhor amigo? Ela não significa nada. Essa desconfiança é a morte da nossa relação! Eu posso achar essa loira horrível! Eu posso ter ficado ofendidíssimo com essa imagem. E se você reparar, ela está sem roupas, mas não dá para ver nada, pois tem um rapaz cobrindo os seios dela com as mãos! Tecnicamente, é como se ela estivesse vestida, porque tem um outro rapaz cobrindo a genitália dela com a cabeça. Se ela estivesse vestida você não faria essa cara, não é? Isso é preconceito, Irisdelfane. É a mesma coisa que não gostar de alguém por causa da religião. Por que uma foto da moça vestida é permitido e uma dela sem roupa, mas deitada sobre um rapaz e apoiada sobre outro, num ângulo que só mostra o rosto e os ombros, é o fim dos tempos? Tudo bem, dá para ver essa curvinha das costas, mas isso não conta. Você não esta sendo justa. Se você refletir bem verá que não há problema algum.

– É claro que há problema.

– Putz, não funcionou... (pensou Eleominilson).

Eleominilson tentou fingir um ataque de SCI (Síndrome do Cólon Irritado) e começou a rolar no chão com as mãos na barriga. Porém, Irisdelfane não parecia impressionada.

– Não seja ridículo, Eleominilson. O problema é que você está na Internet há mais de trinta minutos e eu quero usar o telefone. Se ainda fosse para alguma coisa útil, vá lá. Mas se o que você quer é ver foto de mulher pelada, faça-me o favor de ir comprar uma revista, porque eu quero conversar com a Usnavy antes da novela começar.

E com isso ela saiu do quarto. Eleominilson sentou novamente e esperou o computador reiniciar. Por um momento ele até quis ir à banca. Mas, pensando bem, ele estava de bermuda. A Irisdelfane é que estava de calças. Era melhor ficar jogando “Paciência” até o fim do Jornal Nacional.

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