Clarice Lispector
Há momentos na vida em que sentimos tanto a falta de alguém
que o que mais queremos é tirar esta pessoa de nossos
sonhos e abraçá-la.
Sonhe com aquilo que você quiser.
Seja o que você quer ser, porque você possui apenas uma vida
e nela só temos uma chance de fazer aquilo que queremos.
Tenha felicidade bastante para fazê-la doce.
Dificuldades para fazê-la forte.
Tristeza para fazê-la humana.
E esperança suficiente para fazê-la feliz.
As pessoas mais felizes não têm as melhores coisas.
Elas sabem fazer o melhor das oportunidades que aparecem
em seus caminhos.
A felicidade aparece para aqueles que choram.
Para aqueles que se machucam.
Para aqueles que buscam e tentam sempre.
E para aqueles que reconhecem a importância das pessoas
que passam por suas vidas.
O futuro mais brilhante é baseado num passado
intensamente vivido.
Você só terá sucesso na vida quando perdoar os erros e
as decepções do passado.
A vida é curta, mas as emoções que podemos deixar duram
uma eternidade.
A vida não é de se brincar, porque em um belo dia se morre.
"Arriscar-se é perder o equilíbrio por uns tempos, mas não se arriscar é perder-se a si mesmo para sempre." - Søren Aabye Kierkegaard
domingo, 31 de julho de 2005
sexta-feira, 22 de julho de 2005
Código dos Homens Honestos
ou
A arte de não se deixar enganar por larápios
Honoré de Balzac
Roubos em lojas, apartamentos, cafés, restaurantes, roubos domésticos etc.
São roubos horríveis porque se apóiam na confiança. É difícil precaver-se contra eles, como se percebe pela raridade de nossos aforismos. Só podemos aludir aos exemplos mais famosos.
Art. 1º: As pessoas honradas, forçadas pelo destino a contratar cozinheiras, devem, para sua segurança, tentar contratar pessoas de bons costumes.
A maior parte dos roubos domésticos é fruto do amor.
O amante da cozinheira pode levá-la a fazer muitas coisas.
Você conhece a cozinheira; você não conhece o amante.
Você não tem o direito de proibir que sua cozinheira tenha um amante, pois:
1º: Os amantes são independentes das cozinheiras;
2º: Ao querer se casar, sua cozinheira está fazendo uso do pleno direito natural;
3º: Se ela tem um amante, é por uma boa razão.
Assim, amantes e cozinheiras são males necessários e inseparáveis.
Art. 2º: Examine com atenção as casas lotéricas de seu bairro, e procure saber se seus empregados jogam, se jogam apenas o que ganham etc.
Art. 3º: Nem sempre seus cavalos comerão muita aveia, mas sempre beberão muita água.
É difícil inspecionar as cocheiras.
Art. 4º: Quando seu apartamento estiver para alugar, muita gente virá vê-lo; não deixe nada fora das gavetas.
Art. 5º: Pretender impedir que um mordomo, uma cozinheira etc. roubem da despensa é uma rematada loucura.
Você será mais ou menos roubado, nada mais do que isto.
Art. 6º: A camareira usará os vestidos da patroa, o lacaio experimentará os ternos do patrão, usará suas camisas.
Se aquela viagem é um pretexto para se livrar dos importunos, por outro lado lhe trará vários problemas.
Assim que você partir, seu criado usará sua roupa, o copeiro irá à adega, o lacaio passeará no seu tílburi com a camareira, que ostensivamente cobrirá os ombros com um xale de caxemira. Enfim, será uma pequena orgia.
Art. 7º: Meio termo, jamais: tenha total confiança em seus criados, ou nenhuma.
Art. 8º: Uma cozinheira que tenha apenas um amante tem bons costumes; mas é necessário saber que amante é esse, seus meios de sobrevivência, seus gostos, suas paixões etc.
Essa pequena polícia doméstica pode evitar um assassinato.
---
Fonte: BALZAC, Honoré de. Código dos homens honestos. São Paulo, Ed.Abril, 2004.
A arte de não se deixar enganar por larápios
Honoré de Balzac
Roubos em lojas, apartamentos, cafés, restaurantes, roubos domésticos etc.
São roubos horríveis porque se apóiam na confiança. É difícil precaver-se contra eles, como se percebe pela raridade de nossos aforismos. Só podemos aludir aos exemplos mais famosos.
Art. 1º: As pessoas honradas, forçadas pelo destino a contratar cozinheiras, devem, para sua segurança, tentar contratar pessoas de bons costumes.
A maior parte dos roubos domésticos é fruto do amor.
O amante da cozinheira pode levá-la a fazer muitas coisas.
Você conhece a cozinheira; você não conhece o amante.
Você não tem o direito de proibir que sua cozinheira tenha um amante, pois:
1º: Os amantes são independentes das cozinheiras;
2º: Ao querer se casar, sua cozinheira está fazendo uso do pleno direito natural;
3º: Se ela tem um amante, é por uma boa razão.
Assim, amantes e cozinheiras são males necessários e inseparáveis.
Art. 2º: Examine com atenção as casas lotéricas de seu bairro, e procure saber se seus empregados jogam, se jogam apenas o que ganham etc.
Art. 3º: Nem sempre seus cavalos comerão muita aveia, mas sempre beberão muita água.
É difícil inspecionar as cocheiras.
Art. 4º: Quando seu apartamento estiver para alugar, muita gente virá vê-lo; não deixe nada fora das gavetas.
Art. 5º: Pretender impedir que um mordomo, uma cozinheira etc. roubem da despensa é uma rematada loucura.
Você será mais ou menos roubado, nada mais do que isto.
Art. 6º: A camareira usará os vestidos da patroa, o lacaio experimentará os ternos do patrão, usará suas camisas.
Se aquela viagem é um pretexto para se livrar dos importunos, por outro lado lhe trará vários problemas.
Assim que você partir, seu criado usará sua roupa, o copeiro irá à adega, o lacaio passeará no seu tílburi com a camareira, que ostensivamente cobrirá os ombros com um xale de caxemira. Enfim, será uma pequena orgia.
Art. 7º: Meio termo, jamais: tenha total confiança em seus criados, ou nenhuma.
Art. 8º: Uma cozinheira que tenha apenas um amante tem bons costumes; mas é necessário saber que amante é esse, seus meios de sobrevivência, seus gostos, suas paixões etc.
Essa pequena polícia doméstica pode evitar um assassinato.
---
Fonte: BALZAC, Honoré de. Código dos homens honestos. São Paulo, Ed.Abril, 2004.
quarta-feira, 20 de julho de 2005
Procura-se um Amigo
Vinícius de Moraes
Não precisa ser homem, basta ser humano, basta ter sentimentos, basta ter coração. Precisa saber falar e calar, sobretudo saber ouvir. Tem que gostar de poesia, de madrugada, de pássaro, de sol, da lua, do canto, dos ventos e das canções da brisa. Deve ter amor, um grande amor por alguém, ou então sentir falta de não ter esse amor.. Deve amar o próximo e respeitar a dor que os passantes levam consigo. Deve guardar segredo sem se sacrificar.
Não é preciso que seja de primeira mão, nem é imprescindível que seja de segunda mão. Pode já ter sido enganado, pois todos os amigos são enganados. Não é preciso que seja puro, nem que seja todo impuro, mas não deve ser vulgar. Deve ter um ideal e medo de perdê-lo e, no caso de assim não ser, deve sentir o grande vácuo que isso deixa. Tem que ter ressonâncias humanas, seu principal objetivo deve ser o de amigo. Deve sentir pena das pessoa tristes e compreender o imenso vazio dos solitários. Deve gostar de crianças e lastimar as que não puderam nascer.
Procura-se um amigo para gostar dos mesmos gostos, que se comova, quando chamado de amigo. Que saiba conversar de coisas simples, de orvalhos, de grandes chuvas e das recordações de infância. Precisa-se de um amigo para não se enlouquecer, para contar o que se viu de belo e triste durante o dia, dos anseios e das realizações, dos sonhos e da realidade. Deve gostar de ruas desertas, de poças de água e de caminhos molhados, de beira de estrada, de mato depois da chuva, de se deitar no capim.
Precisa-se de um amigo que diga que vale a pena viver, não porque a vida é bela, mas porque já se tem um amigo. Precisa-se de um amigo para se parar de chorar. Para não se viver debruçado no passado em busca de memórias perdidas. Que nos bata nos ombros sorrindo ou chorando, mas que nos chame de amigo, para ter-se a consciência de que ainda se vive.
----
Feliz Dia do Amigo!
Não precisa ser homem, basta ser humano, basta ter sentimentos, basta ter coração. Precisa saber falar e calar, sobretudo saber ouvir. Tem que gostar de poesia, de madrugada, de pássaro, de sol, da lua, do canto, dos ventos e das canções da brisa. Deve ter amor, um grande amor por alguém, ou então sentir falta de não ter esse amor.. Deve amar o próximo e respeitar a dor que os passantes levam consigo. Deve guardar segredo sem se sacrificar.
Não é preciso que seja de primeira mão, nem é imprescindível que seja de segunda mão. Pode já ter sido enganado, pois todos os amigos são enganados. Não é preciso que seja puro, nem que seja todo impuro, mas não deve ser vulgar. Deve ter um ideal e medo de perdê-lo e, no caso de assim não ser, deve sentir o grande vácuo que isso deixa. Tem que ter ressonâncias humanas, seu principal objetivo deve ser o de amigo. Deve sentir pena das pessoa tristes e compreender o imenso vazio dos solitários. Deve gostar de crianças e lastimar as que não puderam nascer.
Procura-se um amigo para gostar dos mesmos gostos, que se comova, quando chamado de amigo. Que saiba conversar de coisas simples, de orvalhos, de grandes chuvas e das recordações de infância. Precisa-se de um amigo para não se enlouquecer, para contar o que se viu de belo e triste durante o dia, dos anseios e das realizações, dos sonhos e da realidade. Deve gostar de ruas desertas, de poças de água e de caminhos molhados, de beira de estrada, de mato depois da chuva, de se deitar no capim.
Precisa-se de um amigo que diga que vale a pena viver, não porque a vida é bela, mas porque já se tem um amigo. Precisa-se de um amigo para se parar de chorar. Para não se viver debruçado no passado em busca de memórias perdidas. Que nos bata nos ombros sorrindo ou chorando, mas que nos chame de amigo, para ter-se a consciência de que ainda se vive.
----
Feliz Dia do Amigo!
sábado, 16 de julho de 2005
Fidel e a decadência do socialismo
Putin foi a Cuba e ficou impressionado com o número de pessoas usando sapatos furados, rasgados em cima e etc. Então, perguntou a Fidel, o porquê disso. Pois 40 anos de "melhoras" já haviam passado... como é possível que as pessoas ainda estavam com sapatos rasgados e maltratados nos pés? Fidel, indignado, respondeu com uma pergunta:
“E na Rússia, não é a mesma coisa? Vai me dizer que lá todo mundo tem sapato novo?”
Putin disse a Fidel que fosse a Rússia e conferisse por si mesmo. Que se ele encontrasse um cidadão qualquer com sapatos furados, tinha a permissão para matar essa pessoa. Fidel tomou um avião e viajou para Moscou. Quando desembarcou, a primeira pessoa que viu estava com sapatos rasgados, furados, tão velhos que pareciam ter pertencido ao seu avô. Fidel mão titubeou; sacou sua pistola e matou o sujeito – afinal, tinha permissão de seu colega Putin para fazer isso.
No dia seguinte os jornais anunciaram:
BARBUDO MALUCO MATA O EMBAIXADOR DE CUBA NO AEROPORTO!
“E na Rússia, não é a mesma coisa? Vai me dizer que lá todo mundo tem sapato novo?”
Putin disse a Fidel que fosse a Rússia e conferisse por si mesmo. Que se ele encontrasse um cidadão qualquer com sapatos furados, tinha a permissão para matar essa pessoa. Fidel tomou um avião e viajou para Moscou. Quando desembarcou, a primeira pessoa que viu estava com sapatos rasgados, furados, tão velhos que pareciam ter pertencido ao seu avô. Fidel mão titubeou; sacou sua pistola e matou o sujeito – afinal, tinha permissão de seu colega Putin para fazer isso.
No dia seguinte os jornais anunciaram:
BARBUDO MALUCO MATA O EMBAIXADOR DE CUBA NO AEROPORTO!
A POESIA
Ferreira Gullar
Onde está
a poesia? Indaga-se
por toda parte. E a poesia
vai à esquina comprar jornal.
Cientistas esquartejam Puchkin e Baudelaire.
Exegetas desmontam a máquina da linguagem.
A poesia ri.
Baixa-se uma portaria: é proibido
misturar o poema com Ipanema.
O poeta depõe no inquérito:
Meu poema é puro, flor
Sem haste, juro!
Não tem passado nem futuro.
Não sabe a fel nem sabe a mel:
É de papel.
Não é como a açucena
Que efêmera
Passa.
E não está sujeito a traça
Pois tem a proteção do inseticida.
Creia,
O meu poema está infenso à vida.
Claro, a vida é suja, a vida é dura.
E sobretudo insegura:
“Suspeito de atividades subversivas foi detido ontem
o poeta Casimiro de Abreu.”
“A Fábrica de Fiação Camboa abriu falência e deixou
sem emprego uma centena de operários.”
“A adúltera Rosa Gonçalves, depondo na 3ª Vara de Família,
afirmou descaradamente: ‘Traí ele, sim. O amor acaba, seu juiz.’”
O anel que tu me deste
era vidro e se quebrou
o amor que tu me tinhas
era pouco e se acabou
Era pouco? era muito?
Era uma fome azul e navalha
uma vertigem de cabelos dentes
cheiros que traspassam o metal
e me impedem de viver ainda
Era pouco? Era louco,
um mergulho
no fundo de tua seda aberta em flor embaixo
onde eu morria
Branca e verde
branca e verde
branca branca branca branca
E agora
recostada no divã da sala
depois de tudo
a poesia ri de mim
Ih, é preciso arrumar a casa
que André vai chegar
É preciso preparar o jantar
É preciso ir buscar o menino no colégio
lavar a roupa limpar a vidraça
O amor
(era muito? era pouco?
era calmo? era louco?)
passa
A infância
passa
a ambulância
passa
Só não passa, Ingrácia,
A tua grácia!
E pensar que nunca mais a terei
real e efêmera (na penumbra da tarde)
como a primavera.
E pensar
que ela também vai se juntar
ao esqueleto das noites estreladas
e dos perfumes
que dentro de mim gravitam
feito pó
(e um dia, claro,
ao acender um cigarro
talvez se deflagre com o fogo do fósforo
seu sorriso
entre meus dedos. E só).
2
Poesia – deter a vida com palavras?
Não – libertá-la,
fazê-la voz e fogo em nossa voz. Po-
esia – falar
o dia
acendê-lo do pó
abri-lo
como carne em cada sílaba, de-
flagrá-lo
como bala em cada não
como arma em cada mão
E súbito da calçada sobe
e explode
junto ao meu rosto o pás-
saro? O pás
?
Como chamá-lo? Pombo? Bomba? Prombo? Como?
Ele
bicava o chão há pouco
era um pombo mas
súbito explode
em ajas brulhos zules bulha zalas
e foge!
como chamá-lo? Pombo? Não:
poesia
paixão
revolução
GULLAR, Ferreira. Toda Poesia. 5ª ed., Rio de Janeiro, José Olympio, 1991, pp.209-212.
Onde está
a poesia? Indaga-se
por toda parte. E a poesia
vai à esquina comprar jornal.
Cientistas esquartejam Puchkin e Baudelaire.
Exegetas desmontam a máquina da linguagem.
A poesia ri.
Baixa-se uma portaria: é proibido
misturar o poema com Ipanema.
O poeta depõe no inquérito:
Meu poema é puro, flor
Sem haste, juro!
Não tem passado nem futuro.
Não sabe a fel nem sabe a mel:
É de papel.
Não é como a açucena
Que efêmera
Passa.
E não está sujeito a traça
Pois tem a proteção do inseticida.
Creia,
O meu poema está infenso à vida.
Claro, a vida é suja, a vida é dura.
E sobretudo insegura:
“Suspeito de atividades subversivas foi detido ontem
o poeta Casimiro de Abreu.”
“A Fábrica de Fiação Camboa abriu falência e deixou
sem emprego uma centena de operários.”
“A adúltera Rosa Gonçalves, depondo na 3ª Vara de Família,
afirmou descaradamente: ‘Traí ele, sim. O amor acaba, seu juiz.’”
O anel que tu me deste
era vidro e se quebrou
o amor que tu me tinhas
era pouco e se acabou
Era pouco? era muito?
Era uma fome azul e navalha
uma vertigem de cabelos dentes
cheiros que traspassam o metal
e me impedem de viver ainda
Era pouco? Era louco,
um mergulho
no fundo de tua seda aberta em flor embaixo
onde eu morria
Branca e verde
branca e verde
branca branca branca branca
E agora
recostada no divã da sala
depois de tudo
a poesia ri de mim
Ih, é preciso arrumar a casa
que André vai chegar
É preciso preparar o jantar
É preciso ir buscar o menino no colégio
lavar a roupa limpar a vidraça
O amor
(era muito? era pouco?
era calmo? era louco?)
passa
A infância
passa
a ambulância
passa
Só não passa, Ingrácia,
A tua grácia!
E pensar que nunca mais a terei
real e efêmera (na penumbra da tarde)
como a primavera.
E pensar
que ela também vai se juntar
ao esqueleto das noites estreladas
e dos perfumes
que dentro de mim gravitam
feito pó
(e um dia, claro,
ao acender um cigarro
talvez se deflagre com o fogo do fósforo
seu sorriso
entre meus dedos. E só).
2
Poesia – deter a vida com palavras?
Não – libertá-la,
fazê-la voz e fogo em nossa voz. Po-
esia – falar
o dia
acendê-lo do pó
abri-lo
como carne em cada sílaba, de-
flagrá-lo
como bala em cada não
como arma em cada mão
E súbito da calçada sobe
e explode
junto ao meu rosto o pás-
saro? O pás
?
Como chamá-lo? Pombo? Bomba? Prombo? Como?
Ele
bicava o chão há pouco
era um pombo mas
súbito explode
em ajas brulhos zules bulha zalas
e foge!
como chamá-lo? Pombo? Não:
poesia
paixão
revolução
GULLAR, Ferreira. Toda Poesia. 5ª ed., Rio de Janeiro, José Olympio, 1991, pp.209-212.
segunda-feira, 11 de julho de 2005
A canção da vida
Mário Quintana
A vida é louca
a vida é uma sarabanda
é um corrupio...
A vida múltipla dá-se as mãos como um bando
de raparigas em flore está cantando
em torno a ti:
Como eu sou bela
amor!Entra em mim, como em uma tela
de Renoir
enquanto é primavera,
enquanto o mundo
não poluiro azul do ar!
Não vás ficarnão vás ficaraí...
como um salso chorando
na beira do rio...
(Como a vida é bela! como a vida é louca!)
A vida é louca
a vida é uma sarabanda
é um corrupio...
A vida múltipla dá-se as mãos como um bando
de raparigas em flore está cantando
em torno a ti:
Como eu sou bela
amor!Entra em mim, como em uma tela
de Renoir
enquanto é primavera,
enquanto o mundo
não poluiro azul do ar!
Não vás ficarnão vás ficaraí...
como um salso chorando
na beira do rio...
(Como a vida é bela! como a vida é louca!)
Portugal e a Nasa
A Nasa enviou ao espaço três macacos e um português:
- Nasa para nave, macaco n. 1 configurar painel de controle da espaçonave.
- Configuração efetuada!
- Macaco n. 2 verificar pressurização da espaçonave.
- Pressurização verificada!
- Macaco n. 3, alinhar a rota da espaçonave.
- Rota alinhada!
- Astronauta português.
- Já sei, já sei, “põe comida prós macacos e não mexe em nada”.
- Nasa para nave, macaco n. 1 configurar painel de controle da espaçonave.
- Configuração efetuada!
- Macaco n. 2 verificar pressurização da espaçonave.
- Pressurização verificada!
- Macaco n. 3, alinhar a rota da espaçonave.
- Rota alinhada!
- Astronauta português.
- Já sei, já sei, “põe comida prós macacos e não mexe em nada”.
quinta-feira, 7 de julho de 2005
Um sonho num sonho
Edgar Allan Poe
Este beijo em tua fronte deponho!
Vou partir. E bem pode, quem parte,
francamente aqui vir confesar-te
que bastante razão tinhas, quando
comparaste meus dias a um sonho.
Se a esperança se vai, esvoaçando,
que me importa se é noite ou se é dia...
ente real ou visão fingidia?
O que vejo, o que sou e suponho
não é mais do que um sonho num sonho.
Fico em meio ao clamor, que se alteia
de uma praia, que a vaga tortura.
Minha mão grão de areia segura
com bem força, que é de ouro essa areia.
São tão poucos! Mas, fogem-me, pelos
dedos, para a profunda água escura.
Os meus olhos se inundam de pranto.
Oh! Meu Deus! E não posso retê-los,
se os aperto na mão, tanto e tanto?
Ah! Meu Deus! E não posso salvar
um ao menos da fúria do mar?
O que vejo, o que sou e suponho
será apenas um sonho num sonho?
Este beijo em tua fronte deponho!
Vou partir. E bem pode, quem parte,
francamente aqui vir confesar-te
que bastante razão tinhas, quando
comparaste meus dias a um sonho.
Se a esperança se vai, esvoaçando,
que me importa se é noite ou se é dia...
ente real ou visão fingidia?
O que vejo, o que sou e suponho
não é mais do que um sonho num sonho.
Fico em meio ao clamor, que se alteia
de uma praia, que a vaga tortura.
Minha mão grão de areia segura
com bem força, que é de ouro essa areia.
São tão poucos! Mas, fogem-me, pelos
dedos, para a profunda água escura.
Os meus olhos se inundam de pranto.
Oh! Meu Deus! E não posso retê-los,
se os aperto na mão, tanto e tanto?
Ah! Meu Deus! E não posso salvar
um ao menos da fúria do mar?
O que vejo, o que sou e suponho
será apenas um sonho num sonho?
domingo, 3 de julho de 2005
Discussão
Um casal foi entrevistado num programa de televisão porque estavam casados há 50 anos e nunca tinham discutido. O repórter, curioso, perguntou à mulher:
- Mas vocês nunca discutiram mesmo?
- Não – respondeu a mulher.
- Como é possível isso acontecer?
- Bem, quando nos casamos, o meu marido tinha uma égua de estimação. Era a criatura que ele mais amava na vida. No dia do nosso casamento, partimos para a lua-de-mel em nossa carroça puxada pela égua. Andamos alguns metros e a égua, coitada, tropeçou. O meu marido, desceu, olhou bem nos olhos dela e disse: “Um”. Mais alguns metros e a égua tropeçou novamente. Meu marido, desceu, olhou bem nos olhos dela e disse: “Dois”. Na terceira vez que ela tropeçou, ele sacou uma espingarda e disparou quinze tiros na bichinha. Eu fiquei apavorada e perguntei: “Seu ignorante desalmado... Por que você fez isso, homem?”. Ele se virou para mim, me olhou bem nos olhos e disse: “Um”. Depois disso, nós nunca mais discutimos.
- Mas vocês nunca discutiram mesmo?
- Não – respondeu a mulher.
- Como é possível isso acontecer?
- Bem, quando nos casamos, o meu marido tinha uma égua de estimação. Era a criatura que ele mais amava na vida. No dia do nosso casamento, partimos para a lua-de-mel em nossa carroça puxada pela égua. Andamos alguns metros e a égua, coitada, tropeçou. O meu marido, desceu, olhou bem nos olhos dela e disse: “Um”. Mais alguns metros e a égua tropeçou novamente. Meu marido, desceu, olhou bem nos olhos dela e disse: “Dois”. Na terceira vez que ela tropeçou, ele sacou uma espingarda e disparou quinze tiros na bichinha. Eu fiquei apavorada e perguntei: “Seu ignorante desalmado... Por que você fez isso, homem?”. Ele se virou para mim, me olhou bem nos olhos e disse: “Um”. Depois disso, nós nunca mais discutimos.
Das Alegorias
Franz Kafka
Muitos se queixam de que as palavras dos sábios sejam sempre alegorias, porém inaplicáveis na vida diária, e isto é o único que possuímos. Quando o sábio diz: "Anda para ali", não quer dizer que alguém deva passar para o outro lado, o que sempre seria possível se a meta do caminho assim o justificasse, porém que se refere a um local legendário, algo que nos é desconhecido, que
tampouco pode ser precisado por ele com maior exatidão e que, portanto, de nada pode servir-nos aqui.
Em realidade, todas essas alegorias apenas querem significar que o inexeqüível é inexeqüível, o que já sabíamos. Mas aquilo em que cotidianamente gastamos as nossas energias, são outras coisas. A este propósito disse alguém: "Por que vos defendeis? Se obedecêsseis às alegorias, vós mesmos vos teríeis convertido em tais, com o que vos teríeis libertado da fadiga diária." Outro disse: "Aposto que isso é também uma alegoria." Disse o primeiro: "Ganhaste".
Disse o segundo: "Mas por infelicidade, apenas naquilo sobre alegoria". O primeiro disse: "Em verdade, não; no que disseste da alegoria perdeste".
Muitos se queixam de que as palavras dos sábios sejam sempre alegorias, porém inaplicáveis na vida diária, e isto é o único que possuímos. Quando o sábio diz: "Anda para ali", não quer dizer que alguém deva passar para o outro lado, o que sempre seria possível se a meta do caminho assim o justificasse, porém que se refere a um local legendário, algo que nos é desconhecido, que
tampouco pode ser precisado por ele com maior exatidão e que, portanto, de nada pode servir-nos aqui.
Em realidade, todas essas alegorias apenas querem significar que o inexeqüível é inexeqüível, o que já sabíamos. Mas aquilo em que cotidianamente gastamos as nossas energias, são outras coisas. A este propósito disse alguém: "Por que vos defendeis? Se obedecêsseis às alegorias, vós mesmos vos teríeis convertido em tais, com o que vos teríeis libertado da fadiga diária." Outro disse: "Aposto que isso é também uma alegoria." Disse o primeiro: "Ganhaste".
Disse o segundo: "Mas por infelicidade, apenas naquilo sobre alegoria". O primeiro disse: "Em verdade, não; no que disseste da alegoria perdeste".
domingo, 19 de junho de 2005
Soneto de fidelidade
Soneto de fidelidade
Vinicius de Moraes
De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento
E assim quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa lhe dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure
Estoril - Portugal, 10.1939
Vinicius de Moraes
De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento
E assim quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa lhe dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure
Estoril - Portugal, 10.1939
Consertam-se Jegues
Consertam-se jegues
O cabra da peste vinha montado no jegue, quando, de repente, o animal empaca. E, como todo jegue que se preza, não sai mais do lugar de jeito nenhum. O sujeito faz de tudo e nada. Lá na curva ele vê uma faixa: "Consertam-se Jegues".
Entre aliviado e curioso ele caminha até lá e conta o problema. O dono da oficina manda seu ajudante em um caminhão para rebocar jegue. Chegando no local, o guindaste levanta o asno, coloca no caminhão e toca todo mundo para a oficina. Quando chegam, o dono da oficina fala para o ajudante:
- Severino, bota ele na rampa.
O guindaste desce o jegue numa rampa. Aí, o dono da oficina pega uma raquete de madeira (tipo frescobol), chega por trás e dá uma raquetada no saco do jegue. Santo remédio: o animal sai numa disparada! O dono do jegue fica abobado com a eficiência do serviço, mas tem uma dúvida e pergunta:
- Mas e agora, cumé que vou pegar o jegue?
Aí o dono da oficina fala para o ajudante:
- Ô Severino, bota o homi na rampa...
O cabra da peste vinha montado no jegue, quando, de repente, o animal empaca. E, como todo jegue que se preza, não sai mais do lugar de jeito nenhum. O sujeito faz de tudo e nada. Lá na curva ele vê uma faixa: "Consertam-se Jegues".
Entre aliviado e curioso ele caminha até lá e conta o problema. O dono da oficina manda seu ajudante em um caminhão para rebocar jegue. Chegando no local, o guindaste levanta o asno, coloca no caminhão e toca todo mundo para a oficina. Quando chegam, o dono da oficina fala para o ajudante:
- Severino, bota ele na rampa.
O guindaste desce o jegue numa rampa. Aí, o dono da oficina pega uma raquete de madeira (tipo frescobol), chega por trás e dá uma raquetada no saco do jegue. Santo remédio: o animal sai numa disparada! O dono do jegue fica abobado com a eficiência do serviço, mas tem uma dúvida e pergunta:
- Mas e agora, cumé que vou pegar o jegue?
Aí o dono da oficina fala para o ajudante:
- Ô Severino, bota o homi na rampa...
sábado, 4 de junho de 2005
Carta
Carlos Drummond de Andrade
Bem quisera escrevê-la
Com palavras sabidas,
As mesmas, triviais,
Embora estremecessem
A um toque de paixão.
Perfurando os obscuros
Canais de argila e sombra,
Ela iria contando
Que vou bem, e amo sempre
E amo cada vez mais
A essa minha maneira
Torcida e reticente,
E espero uma resposta,
Mas que não tarde; e peço
Um objeto minúsculo
Só para das prazer
A quem pode ofertá-lo;
Diria ela do tempo
Que faz do nosso lado;
As chuvas já secaram,
As crianças estudam,
Uma última invenção
(inda não é perfeita)
faz ler nos corações,
mas todos esperamos
rever-nos bem depressa.
Muito depressa, não.
Vai-nos tornando o tempo
Estranhamento longo
Á medida que encurta.
O que ontem disparava,
Desbordado alazão,
Hoje se paralisa
Em esfinge de mármore,
E até o sono, o sono
Que era grato e era absurdo
É um dormir acordado
Numa planície grave.
Rápido é o sonho, apenas,
Que se vai, de mandar
Notícias amorosas
Quando não há amor
A dar ou receber;
Quando só há esperança,
Ainda menos, pó,
Menos ainda, nada,
Nada de nada em tudo,
Em mim mais do que em tudo,
E não vale acordar
Quem acaso repouse
Na colina sem árvores.
Contudo, esta é uma carta.
Bem quisera escrevê-la
Com palavras sabidas,
As mesmas, triviais,
Embora estremecessem
A um toque de paixão.
Perfurando os obscuros
Canais de argila e sombra,
Ela iria contando
Que vou bem, e amo sempre
E amo cada vez mais
A essa minha maneira
Torcida e reticente,
E espero uma resposta,
Mas que não tarde; e peço
Um objeto minúsculo
Só para das prazer
A quem pode ofertá-lo;
Diria ela do tempo
Que faz do nosso lado;
As chuvas já secaram,
As crianças estudam,
Uma última invenção
(inda não é perfeita)
faz ler nos corações,
mas todos esperamos
rever-nos bem depressa.
Muito depressa, não.
Vai-nos tornando o tempo
Estranhamento longo
Á medida que encurta.
O que ontem disparava,
Desbordado alazão,
Hoje se paralisa
Em esfinge de mármore,
E até o sono, o sono
Que era grato e era absurdo
É um dormir acordado
Numa planície grave.
Rápido é o sonho, apenas,
Que se vai, de mandar
Notícias amorosas
Quando não há amor
A dar ou receber;
Quando só há esperança,
Ainda menos, pó,
Menos ainda, nada,
Nada de nada em tudo,
Em mim mais do que em tudo,
E não vale acordar
Quem acaso repouse
Na colina sem árvores.
Contudo, esta é uma carta.
domingo, 22 de maio de 2005
Livro das Perguntas
Pablo Neruda
Tem coisa mais boba na vida
que chamar-se Pablo Neruda?
Que vim fazer neste planeta?
A quem dirijo esta pergunta?
E que importância tenho eu
no tribunal do esquecimento?
Não era verdade que Deus
vivia no mundo da lua?
Minha poesia desgarrada
abr'olhos com estes olhos meus?
Por que me picam as pulgas e os
sargentos da literatura?
Que dirão da minha poesia
os que não tocaram meu sangue?
Posso perguntar ao meu livro
se eu mesmo o escrevi? Desde quando?
Por que nas épocas obscuras
se escreve com uma tinta extinta?
E por que detesto as cidades
com cheiro de mulher e urina?
Quem devorou rente aos meus olhos
um tubarão cheio de pústulas?
Por que andam as ondas me indagando
sobre as mesmíssimas perguntas?
Por que não nasci misterioso?
Por que cresci sem companhia?
Das tais virtudes que esqueci
dá pra fazer um terno novo?
Onde está o menino que fui:
anda comigo ou evaporou-se?
Sabe que nunca fui com ele
nem ele comigo tampouco?
Por que estivemos tanto tempo
crescendo para essa ruptura?
Quando minha infância se foi
por que nós dois não fomos junto?
Ainda ontem disse aos meus olhos:
quando de novo nos veremos?
Não é melhor nunca que tarde
dentro de listões amarelos?
Em que janela me quedei
em busca do tempo, se pulcro?
Ou o que diviso destes ermos
ainda não passa de futuro?
Que me esperava em Ilha Negra:
verdades verdes? compostura?
Se morri e não me dei conta
morto, a'hora, a quem me pergunto?
Quem me mandou desvencilhar-me
das portas do meu amor-próprio?
É verdade que um condor negro
sobrevoa minha pátria noite?
Que há de pesar mais na cintura:
padecimentos? memórias?
Que deu em mim de transmigrar
se vivem no Chile meus ossos?
Por que me movo sem querer?
Por que estou sempre desinquieto?
E se minh'alma desabou
por que meu esqueleto prossegue?
Por que vou girando sem rodas
e voando sem asas nem penas?
Por que minha roupa desbotada
se agita como uma bandeira?
E que bandeira tremulou
no espaço em que não me esqueceram?
Pois não foi onde me perderam
que eu me dei, enfim, por achado?
Esse onde onde termina o espaço
se chama de morte ou infinito?
Por que voltei à indiferença
do maroceano desmedido?
Achas que o luto te antecipa
à bandeira do teu destino?
Se caí no laço do mar
por que fechei os meus caminhos?
Que significa persistir
no beco da morte-sem-saída?
E no mar do não-passa-nada
mortalha faz algum sentido?
Por que trabalham sal e açúcar
construindo-se uma torre branca?
Onde fica o umbigo do mar?
Por que até ali não chegam as ondas?
Foi das costas do mar que eu vim:
para onde vou quando me atalha?
Não sentes também o perigo
na gargalhada do maralto?
Onde terminará o arco-íris:
dentro da alma ou no horizonte?
Vejo de novo o mar ab ovo:
o mar me viu ou botou banca?
Não choras rodeado de risos
- só - com as garrafas do vazio?
Quanto media o polvo negro
que obscureceu a paz do dia?
Não será nossa vida um túnel
entre duas vagas claridades?
Ou não será uma claridade
entre dois triângulos escuros?
E não achas que a morte vinga
dentro do sol de uma cereja?
Ou que em perigosas substâncias
do não ser, a morte lateja?
Devo escolher esta manhã
entre o céu e o mar, tudo ou nada?
Quem sabe lá de onde é que vem
a morte: de cima ou de baixo?
A morte não seria enfim
uma cozinha interminável?
Ou não seria a vida um peixe
preparado para ser pássaro?
Tem coisa mais boba na vida
que chamar-se Pablo Neruda?
Que vim fazer neste planeta?
A quem dirijo esta pergunta?
E que importância tenho eu
no tribunal do esquecimento?
Não era verdade que Deus
vivia no mundo da lua?
Minha poesia desgarrada
abr'olhos com estes olhos meus?
Por que me picam as pulgas e os
sargentos da literatura?
Que dirão da minha poesia
os que não tocaram meu sangue?
Posso perguntar ao meu livro
se eu mesmo o escrevi? Desde quando?
Por que nas épocas obscuras
se escreve com uma tinta extinta?
E por que detesto as cidades
com cheiro de mulher e urina?
Quem devorou rente aos meus olhos
um tubarão cheio de pústulas?
Por que andam as ondas me indagando
sobre as mesmíssimas perguntas?
Por que não nasci misterioso?
Por que cresci sem companhia?
Das tais virtudes que esqueci
dá pra fazer um terno novo?
Onde está o menino que fui:
anda comigo ou evaporou-se?
Sabe que nunca fui com ele
nem ele comigo tampouco?
Por que estivemos tanto tempo
crescendo para essa ruptura?
Quando minha infância se foi
por que nós dois não fomos junto?
Ainda ontem disse aos meus olhos:
quando de novo nos veremos?
Não é melhor nunca que tarde
dentro de listões amarelos?
Em que janela me quedei
em busca do tempo, se pulcro?
Ou o que diviso destes ermos
ainda não passa de futuro?
Que me esperava em Ilha Negra:
verdades verdes? compostura?
Se morri e não me dei conta
morto, a'hora, a quem me pergunto?
Quem me mandou desvencilhar-me
das portas do meu amor-próprio?
É verdade que um condor negro
sobrevoa minha pátria noite?
Que há de pesar mais na cintura:
padecimentos? memórias?
Que deu em mim de transmigrar
se vivem no Chile meus ossos?
Por que me movo sem querer?
Por que estou sempre desinquieto?
E se minh'alma desabou
por que meu esqueleto prossegue?
Por que vou girando sem rodas
e voando sem asas nem penas?
Por que minha roupa desbotada
se agita como uma bandeira?
E que bandeira tremulou
no espaço em que não me esqueceram?
Pois não foi onde me perderam
que eu me dei, enfim, por achado?
Esse onde onde termina o espaço
se chama de morte ou infinito?
Por que voltei à indiferença
do maroceano desmedido?
Achas que o luto te antecipa
à bandeira do teu destino?
Se caí no laço do mar
por que fechei os meus caminhos?
Que significa persistir
no beco da morte-sem-saída?
E no mar do não-passa-nada
mortalha faz algum sentido?
Por que trabalham sal e açúcar
construindo-se uma torre branca?
Onde fica o umbigo do mar?
Por que até ali não chegam as ondas?
Foi das costas do mar que eu vim:
para onde vou quando me atalha?
Não sentes também o perigo
na gargalhada do maralto?
Onde terminará o arco-íris:
dentro da alma ou no horizonte?
Vejo de novo o mar ab ovo:
o mar me viu ou botou banca?
Não choras rodeado de risos
- só - com as garrafas do vazio?
Quanto media o polvo negro
que obscureceu a paz do dia?
Não será nossa vida um túnel
entre duas vagas claridades?
Ou não será uma claridade
entre dois triângulos escuros?
E não achas que a morte vinga
dentro do sol de uma cereja?
Ou que em perigosas substâncias
do não ser, a morte lateja?
Devo escolher esta manhã
entre o céu e o mar, tudo ou nada?
Quem sabe lá de onde é que vem
a morte: de cima ou de baixo?
A morte não seria enfim
uma cozinha interminável?
Ou não seria a vida um peixe
preparado para ser pássaro?
O retrato preto denunciador
EAP & MLO
Dedicado à memória de Edgar Allan Poe*
Não espero nem peço que se dê crédito à história meramente extraordinária e, no entanto, bastante doméstica que vou narrar. Louco seria eu se esperasse tal coisa, tratando-se de um caso que os meus próprios sentidos se negam a aceitar. Não obstante, não estou louco e, com toda a certeza, não sonho. Mas, considerando o modo como dirijo, amanhã posso morrer e, por isso, gostaria, hoje, de aliviar o meu espírito. Meu propósito imediato é apresentar ao mundo, clara e sucintamente, mas sem comentários cínicos, uma série de simples acontecimentos domésticos, que devido a suas conseqüências, me aterrorizaram, torturaram e instruíram.
Tudo começou quando, após sair totalmente desorientado de mais uma aula de Renascimento Português, fui abordado pela senhorita Rebeca. Ela retirou um canudo de sua bolsa, me entregou e disse que era um presente. Tratava-se de uma foto de um dos meus ídolos, o escritor estadunidense Edgar Allan Poe. No entanto, não tentarei esclarecê-los, mas no momento em que olhei para o retrato, em mim, quase não se produziu outra coisa senão horror. Talvez, mais tarde, haja alguma inteligência que reduza esse sentimento a algo comum – uma inteligência mais serena, mais lógica e muito menos excitável do que, a minha, que perceba, nas circunstâncias a que me refiro com terror, nada mais do que uma sucessão comum de causas e efeitos muito naturais.
Mas o fato é que desde que recebi aquela foto, a ternura de meu coração que era tão evidente, e que me tornava alvo dos gracejos de meus camaradas, começou a desvanecer. Enrubesço ao confessá-lo, mas não só o meu caráter como o meu temperamento, sofreram, devido à presença daquela foto, uma modificação radical para pior.
Tornava-me, a cada hora, mais taciturno, mais irritadiço, mais cínico e mais indiferente aos sentimentos dos outros. Sofria ao empregar linguagem desabrida ao dirigir-me aos meus amigos e familiares. No fim, cheguei mesmo a tratá-los com indiferença. Meus amigos, certamente, sentiam a mudança operada em meu caráter. Não apenas não lhes dava atenção alguma, como, ainda, os maltratava. Quanto à foto, porém, ainda despertava em mim consideração suficiente que me impedia de destruí-la, ao passo que não sentia escrúpulo algum em maltratar os colegas de trabalho, o cobrador do ônibus e mesmo o porteiro do prédio, quando, por acaso cruzavam em meu caminho. Meu mal, porém, ia tomando conta de mim – que outro mal pode se comparar ao consumo prolongado e contínuo de Fanta Laranja? – e, no fim, até a foto, que começava agora a amarelar na parede, e que por conseguinte, se tomara algo difícil de se encarar, começou a refletir os efeitos de meu mau humor.
Numa noite, ao voltar para casa, muito embriagado após mergulhar minhas magoas em três doses de Fanta Laranja, numa de minhas andanças pela cidade, tive a impressão de que a foto evitava a minha presença. Apanhei-a, e ao encará-la, notei que ela parecia assustada ante a minha violência. Uma fúria demoníaca apoderou-se, instantaneamente, de mim. Já não sabia mais o que estava fazendo. Dir-se-ia que, súbito, minha alma abandonara o corpo, e uma perversidade mais do que diabólica, causada pelo suco industrializado de laranja produzido pela Coca-cola, fez vibrar todas as fibras de meu ser. Apanhei na escrivaninha uma tesoura, arranquei a foto da moldura e, friamente, recortei um dos olhos de Edgar Allan Poe! Enrubesço, estremeço, abraso-me de vergonha, ao referir-me, aqui, a essa abominável atrocidade.
Quando, com a chegada da manhã, voltei à razão – dissipados já os vapores de minha orgia noturna, experimentei, pelo crime que praticara, um sentimento que era um misto de horror e remorso; mas não passou de um sentimento superficial e equívoco, pois minha alma permaneceu impassível. Mergulhei novamente em excessos, afogando logo no consumo de Fanta Laranja a lembrança do que acontecera.
Entrementes, recoloquei a foto na parede, lentamente. A órbita do olho perdido apresentava, é certo, um aspecto horrendo, mas, ao menos, a mim, não parecia mais que Poe sofria qualquer dor. Eu andava pela casa como de costume, mas, como bem se poderia esperar, fugia, tomado de extremo terror, à aproximação do local em que se encontrava o retrato. Mas esse sentimento logo se transformou em irritação. E, então, como para perder-me final e irremissivelmente, surgiu o espírito da perversidade. Desse espírito, a filosofia não toma conhecimento. Não obstante, tão certo como existe minha alma, creio que a perversidade é um dos impulsos primitivos do coração humano – uma das faculdades, ou sentimentos secundários - pois o cinismo e o sarcasmo ainda são os primários –, que dirigem o caráter do homem. Quem não se viu, centenas de vezes, a cometer ações vis ou estúpidas, pela única razão de que sabia que não devia cometê-las? Acaso não sentimos uma inclinação constante mesmo quando estamos no melhor do nosso juízo, para violar aquilo que é lei, simplesmente porque a compreendemos como tal? Esse espírito de perversidade, digo eu, foi a causa de minha queda final.
O vivo e insondável desejo da alma de atormentar-se a si mesma, de violentar sua própria natureza, de fazer o mal pelo próprio mal, foi o que me levou a continuar e, afinal, a levar a cabo o suplício que infligira à imagem do pobre poeta. Pela manhã, a sangue frio, retirei o retrato da parede, e por mais infantil que possa parecer, pintei-lhe os lábios e desenhei-lhe "chifrinhos". Observei por alguns minutos e, logo, após saquei de meu bolso um isqueiro e ateei fogo à imagem de Poe. Fi-lo com os olhos cheios de lágrimas, com o coração transbordante do mais amargo remorso. Queimei-o porque sabia que o respeitara, e porque reconhecia que não me dera motivo algum para que me voltasse contra ele. Queimei-o porque sabia que estava cometendo um pecado – um pecado mortal que comprometia a minha alma imortal, afastando-a, se é que isso era possível, da misericórdia infinita de um Deus infinitamente misericordioso e infinitamente terrível.
Na noite do dia em que foi cometida essa ação tão cruel, fui despertado pelo grito de "fogo!". As cortinas de minha cama estavam em chamas. Toda a casa ardia. Foi com grande dificuldade que minha mãe, minha sobrinha e eu conseguimos escapar do incêndio. A destruição foi completa. Todos os meus bens terrenos foram tragados pelo fogo, e, desde então, me entreguei ao desespero.
Não pretendo estabelecer relação alguma entre causa e efeito - entre o desastre e a atrocidade por mim cometida. Mas estou descrevendo uma seqüência de fatos, e não desejo omitir nenhum dos elos dessa cadeia de acontecimentos. No dia seguinte ao do incêndio, visitei as ruínas. As paredes, com exceção de uma apenas, tinham desmoronado. Densa multidão se reunira em torno dessa parede, e muitas pessoas examinavam, com particular atenção e minuciosidade, uma parte dela. As palavras "Putz grila!", "Caráca! Véi!", bem como outras expressões semelhantes, despertaram-me a curiosidade. Aproximei-me e vi, como se gravada em baixo-relevo sobre a superfície branca, a figura do autor de "O Corvo" como que num outdoor gigantesco. A imagem era de uma exatidão verdadeiramente maravilhosa. Havia uma fogueira embaixo da imagem de Poe.
Logo que vi tal aparição, pois não poderia considerar aquilo como sendo outra coisa, o assombro e terror que se me apoderaram foram extremos. Mas, finalmente, a reflexão veio em meu auxílio. O retrato de Poe, lembrei-me, fora queimado numa churrasqueira que fica no quintal nos fundos da casa. A queda das outras paredes e a cal do muro, juntamente com as chamas e o amoníaco desprendido das cinzas da foto, produziram a imagem tal qual eu agora a via. Ou talvez alguém tenha retirado as cinzas do retrato da churrasqueira e lançando-as, através de uma janela aberta, o que fez com que a imagem do retrato fosse transferida para a parede do meu quarto...
Embora isso satisfizesse prontamente minha razão, não conseguia fazer o mesmo, de maneira completa, com minha consciência, pois o surpreendente fato que acabo de descrever não deixou de causar-me, apesar de tudo, profunda impressão. Durante dias, não pude livrar-me do fantasma de Poe e, nesse espaço de tempo, nasceu em meu espírito uma espécie de sentimento que parecia remorso, embora não o fosse. Cheguei, mesmo, a lamentar a perda do retrato e a procurar, nos sórdidos lugares que então freqüentava - Feira da Ceilândia, Cebinho, Café da Rua 08 ou na Banca Brasiliana da RodoStation do Plano Piloto - outra foto do poeta que pudesse substituí-lo.
Uma noite, em que me achava sentado, meio aturdido, num antro mais do que infame, tive a atenção despertada, subitamente, por um objeto negro que jazia no alto de um dos enormes engradados de Fanta, Coca-cola, Guaraná Antártica ou sei lá o quê – não concebo bem que refrigerante pudesse ser – que constituíam quase que o único mobiliário do recinto. Fazia já alguns minutos que olhava fixamente o alto dos engradados, e o que então me surpreendeu foi não ter visto antes o que havia sobre o mesmo.
Levantei-me e o encarei como horror. Era um retrato emoldurado de Poe – tão grande quanto o que eu havia queimado – e que, sob todos os aspectos, salvo um, se assemelhava a ele: pelo semblante do autor, tive a nítida impressão que este parecia me encarar e me julgar com os olhos! Penso que era o olhar dele! Sim, era isso! Seus olhos pareciam com os de um abutre... olhos pálidos, como os de quem sofre de catarata. Meu sangue se enregelava ao sentir que seu olhar caía sobre mim; e assim, pouco a pouco, bem lentamente, fui-me decidindo a tirar o quadro daquele lugar, destruí-lo e assim libertar-me daqueles olhos para sempre.
Ora, aí é que estava o problema. A esta altura, deveis imaginar que sou louco. Mas os loucos nada sabem. Deveríeis, porém, ter-me visto. Deveríeis ter visto como procedi cautelosamente, com que prudência, com que previsão, com que dissimulação lancei mão à obra!
Fui mais cauteloso do que de hábito. O ponteiro dos minutos de um relógio mover-se-ia mais rapidamente do que meus dedos. Jamais, antes daquela noite, sentira eu tanto a extensão de meus próprios poderes, de minha sagacidade. Mal conseguia conter meus sentimentos de triunfo. Pensar que ali estava eu, pouco a pouco, na iminência de me livrar daquele olhar... Ri com gosto, entre dentes... O quadro estava num local escuro como piche, espesso de sombra. E eu continuei a avançar, cada vez mais, cada vez mais. Fiquei completamente silencioso e nada disse.
Ao aproximar-me, um feixe de luz iluminou uma parte do quadro e, novamente, pude ver os olhos do poeta. Eles estavam abertos, plenamente abertos. E, ao contemplá-los, minha fúria cresceu. Vi-o, com perfeita clareza; Poe me fitava com olhar de reprovação! Seus olhos tinham um aspecto desbotado, com uma horrível película a cobri-los, o que me enregelava até a medula dos ossos. Mas não podia ver nada mais da face, pois a fresta dirigira a luz como por instinto, sobre o maldito lugar.
De súbito, chegou a meus ouvidos um som baixo, duas palavras que não conseguia entender, algo como o tique-taque de um relógio, quando abafado com algodão, ou o sistema de som do Cine Márcia, quando exibindo um filme de ação.. Eu não sabia bem que som era e, acreditara tratar-se do bater do meu coração. Ele me aumentava a fúria, como o bater um tambor estimula a coragem do soldado.
Ainda aí, porém, refreei-me e fiquei quieto. Tentei manter-me tão focalizado em meu objetivo quanto a réstia de luz sobre os olhos do poeta. Entretanto, o infernal som aumentava. A cada instante ficava mais alto, mais rápido! Cada vez mais alto, repito, a cada momento! Prestai-me bem atenção? Disse-vos que houvera me tornado mais irritadiço do que eu um dia fora. E então, àquela hora morta da noite, tão estranho ruído excitou em mim um terror incontrolável. Contudo, por alguns minutos mais, dominei-me e fiquei quieto. Mas o barulho era cada vez mais alto.
E, depois, nova angústia me aferrou: o ruído poderia ser ouvido pelo dono do bar! A hora de me livrar daquele retrato maldito tinha chegado! Com reflexos semelhantes aos de um ninja, rapidamente retirei a foto da moldura e a embolei, colocando-a em meu bolso. Então, voltei rapidamente para minha casa – que agora estava em adiantada fase de reconstrução. Arranquei três cerâmicas do soalho do quarto e coloquei a foto entre os vãos. Novamente, ateei-lhe fogo e depois recoloquei as cerâmicas, com tamanha habilidade e perfeição, que nenhum olhar humano, nem mesmo o dele, poderia distinguir qualquer coisa suspeita.
Nada havia a lavar, nem mancha de espécie alguma. Fora demasiado prudente no evitá-las. Uma demão de cera tinha recolhido tudo... Ah! Ah! Ah! Terminadas todas essas tarefas, eram quatro horas. Mas ainda estava escuro, como se fosse meia-noite. Como tenho insônia, para mim era normal dormir tão tarde. Quando o sino do relógio soou a hora, bateram a porta da rua. Desci para abri-la, de coração ligeiro,... pois que tinha eu agora a temer?
Entraram três homens que se apresentaram, com perfeita mansidão, como estudantes de literatura. Fora ouvido de um vizinho, que eu tinha em meu poder um retrato de Edgar Allan Poe. Despertara-se a suspeita de eu houvera cometido um crime contra a sua memória. Tinha-se formulado uma denúncia e eles, estudantes de Letras, tinham sido mandados para investigar.
Sorri... pois, que tinha eu a temer? Dei as boas vindas aos cavalheiros. O retrato, disse eu, não existia, só em sonhos. Poe, relatei, nunca gostara de tirar fotos, portanto, como poderia eu ter alguma foto sua? Levei meus visitantes a percorrer toda a casa. Pedi que dessem busca... completa. Conduzi-os, afinal, ao quarto. No entusiasmo de minha confiança, trouxe cadeiras para o quarto e mostrei desejos de que eles ficassem ali, para descansar de suas fadigas, enquanto eu mesmo, na desenfreada audácia do meu perfeito triunfo, colocava minha própria cadeira, precisamente sobre o lugar onde repousavam as cinzas da vítima.
Os alunos ficaram satisfeitos. Minhas maneiras os haviam convencido. Sentia-me singularmente à vontade. Sentaram-se e, enquanto eu respondia cordialmente, conversavam coisas familiares. Mas, dentro em pouco, senti que ia empalidecendo e desejei que eles se retirassem. Minha cabeça me doía e parecia-me ouvir zumbidos nos ouvidos; eles, porém, continuavam sentados e continuavam a conversar. O zumbido tornou-se mais distinto. Continuou e tornou-se ainda mais distinto: eu falava com mais desenfreio, para dominar a sensação: ela, porém, continuava a aumentava sua perceptibilidade, até que, afinal, descobri que o barulho não era dentro dos meus ouvidos.
É claro que então minha palidez aumentou excessivamente. Mas eu falava ainda mais fluentemente e num tom de voz muito elevada. Não obstante, o som se avolumava... E que podia fazer? Era um som grave, monótono, rápido... muito semelhante ao do sistema de som do Cine Márcia, quando exibindo um filme de ação. Eu respirava com dificuldade... E no entanto, os estudantes não o ouviram. Falei mais depressa ainda, com mais veemência. Mas o som aumentava constantemente. Levantei-me e fiz perguntas a respeito de ninharias, num tom bastante elevado, e com violenta gesticulação, mas o som constantemente aumentava.
Por que não se iam embora? Andava pelo quarto acima e abaixo, com largas e pesadas passadas, como se excitado até a fúria pela permanência dos estudantes... mas o som aumentava constante. Oh! Deus! Que poderia eu fazer? Espumei... enraiveci-me... praguejei! Fiz girar a cadeira, sobre a qual estivera sentado, e arrastei-a sobre as cerâmicas, mas o barulho se elevava acima de tudo e continuamente aumentava. Tornou-se então mais alto... mais alto... mais alto!
E os homens continuavam ainda a passear, satisfeitos e sorriam. Seria possível que eles não ouvissem? Deus Todo Poderoso!... não, não! Eles suspeitavam!.. Eles sabiam!... Estavam zombando do meu horror!... Isto pensava eu e ainda penso. Outra coisa qualquer, porém, era melhor que essa agonia! Qualquer coisa era mais tolerável que essa irrisão! Não podia suportar por mais tempo aqueles sorrisos hipócritas! Sentia que devia gritar ou morrer!... E agora... de novo! Escutai!
Mais alto!
Mais alto!
Mais alto!
Mais alto!
Mais alto...
Tudo bem! - trovejei – Vocês não precisam mais fingir que não escutam! Confesso o crime!... Arranquem as cerâmicas!.. aqui, aqui! ... ouçam o desgraçado dizer: “Nunca mais, nunca mais...”
FIM
Marcos Lima
*Que, depois dessa, deve estar se contorcendo no túmulo...
Dedicado à memória de Edgar Allan Poe*
Não espero nem peço que se dê crédito à história meramente extraordinária e, no entanto, bastante doméstica que vou narrar. Louco seria eu se esperasse tal coisa, tratando-se de um caso que os meus próprios sentidos se negam a aceitar. Não obstante, não estou louco e, com toda a certeza, não sonho. Mas, considerando o modo como dirijo, amanhã posso morrer e, por isso, gostaria, hoje, de aliviar o meu espírito. Meu propósito imediato é apresentar ao mundo, clara e sucintamente, mas sem comentários cínicos, uma série de simples acontecimentos domésticos, que devido a suas conseqüências, me aterrorizaram, torturaram e instruíram.
Tudo começou quando, após sair totalmente desorientado de mais uma aula de Renascimento Português, fui abordado pela senhorita Rebeca. Ela retirou um canudo de sua bolsa, me entregou e disse que era um presente. Tratava-se de uma foto de um dos meus ídolos, o escritor estadunidense Edgar Allan Poe. No entanto, não tentarei esclarecê-los, mas no momento em que olhei para o retrato, em mim, quase não se produziu outra coisa senão horror. Talvez, mais tarde, haja alguma inteligência que reduza esse sentimento a algo comum – uma inteligência mais serena, mais lógica e muito menos excitável do que, a minha, que perceba, nas circunstâncias a que me refiro com terror, nada mais do que uma sucessão comum de causas e efeitos muito naturais.
Mas o fato é que desde que recebi aquela foto, a ternura de meu coração que era tão evidente, e que me tornava alvo dos gracejos de meus camaradas, começou a desvanecer. Enrubesço ao confessá-lo, mas não só o meu caráter como o meu temperamento, sofreram, devido à presença daquela foto, uma modificação radical para pior.
Tornava-me, a cada hora, mais taciturno, mais irritadiço, mais cínico e mais indiferente aos sentimentos dos outros. Sofria ao empregar linguagem desabrida ao dirigir-me aos meus amigos e familiares. No fim, cheguei mesmo a tratá-los com indiferença. Meus amigos, certamente, sentiam a mudança operada em meu caráter. Não apenas não lhes dava atenção alguma, como, ainda, os maltratava. Quanto à foto, porém, ainda despertava em mim consideração suficiente que me impedia de destruí-la, ao passo que não sentia escrúpulo algum em maltratar os colegas de trabalho, o cobrador do ônibus e mesmo o porteiro do prédio, quando, por acaso cruzavam em meu caminho. Meu mal, porém, ia tomando conta de mim – que outro mal pode se comparar ao consumo prolongado e contínuo de Fanta Laranja? – e, no fim, até a foto, que começava agora a amarelar na parede, e que por conseguinte, se tomara algo difícil de se encarar, começou a refletir os efeitos de meu mau humor.
Numa noite, ao voltar para casa, muito embriagado após mergulhar minhas magoas em três doses de Fanta Laranja, numa de minhas andanças pela cidade, tive a impressão de que a foto evitava a minha presença. Apanhei-a, e ao encará-la, notei que ela parecia assustada ante a minha violência. Uma fúria demoníaca apoderou-se, instantaneamente, de mim. Já não sabia mais o que estava fazendo. Dir-se-ia que, súbito, minha alma abandonara o corpo, e uma perversidade mais do que diabólica, causada pelo suco industrializado de laranja produzido pela Coca-cola, fez vibrar todas as fibras de meu ser. Apanhei na escrivaninha uma tesoura, arranquei a foto da moldura e, friamente, recortei um dos olhos de Edgar Allan Poe! Enrubesço, estremeço, abraso-me de vergonha, ao referir-me, aqui, a essa abominável atrocidade.
Quando, com a chegada da manhã, voltei à razão – dissipados já os vapores de minha orgia noturna, experimentei, pelo crime que praticara, um sentimento que era um misto de horror e remorso; mas não passou de um sentimento superficial e equívoco, pois minha alma permaneceu impassível. Mergulhei novamente em excessos, afogando logo no consumo de Fanta Laranja a lembrança do que acontecera.
Entrementes, recoloquei a foto na parede, lentamente. A órbita do olho perdido apresentava, é certo, um aspecto horrendo, mas, ao menos, a mim, não parecia mais que Poe sofria qualquer dor. Eu andava pela casa como de costume, mas, como bem se poderia esperar, fugia, tomado de extremo terror, à aproximação do local em que se encontrava o retrato. Mas esse sentimento logo se transformou em irritação. E, então, como para perder-me final e irremissivelmente, surgiu o espírito da perversidade. Desse espírito, a filosofia não toma conhecimento. Não obstante, tão certo como existe minha alma, creio que a perversidade é um dos impulsos primitivos do coração humano – uma das faculdades, ou sentimentos secundários - pois o cinismo e o sarcasmo ainda são os primários –, que dirigem o caráter do homem. Quem não se viu, centenas de vezes, a cometer ações vis ou estúpidas, pela única razão de que sabia que não devia cometê-las? Acaso não sentimos uma inclinação constante mesmo quando estamos no melhor do nosso juízo, para violar aquilo que é lei, simplesmente porque a compreendemos como tal? Esse espírito de perversidade, digo eu, foi a causa de minha queda final.
O vivo e insondável desejo da alma de atormentar-se a si mesma, de violentar sua própria natureza, de fazer o mal pelo próprio mal, foi o que me levou a continuar e, afinal, a levar a cabo o suplício que infligira à imagem do pobre poeta. Pela manhã, a sangue frio, retirei o retrato da parede, e por mais infantil que possa parecer, pintei-lhe os lábios e desenhei-lhe "chifrinhos". Observei por alguns minutos e, logo, após saquei de meu bolso um isqueiro e ateei fogo à imagem de Poe. Fi-lo com os olhos cheios de lágrimas, com o coração transbordante do mais amargo remorso. Queimei-o porque sabia que o respeitara, e porque reconhecia que não me dera motivo algum para que me voltasse contra ele. Queimei-o porque sabia que estava cometendo um pecado – um pecado mortal que comprometia a minha alma imortal, afastando-a, se é que isso era possível, da misericórdia infinita de um Deus infinitamente misericordioso e infinitamente terrível.
Na noite do dia em que foi cometida essa ação tão cruel, fui despertado pelo grito de "fogo!". As cortinas de minha cama estavam em chamas. Toda a casa ardia. Foi com grande dificuldade que minha mãe, minha sobrinha e eu conseguimos escapar do incêndio. A destruição foi completa. Todos os meus bens terrenos foram tragados pelo fogo, e, desde então, me entreguei ao desespero.
Não pretendo estabelecer relação alguma entre causa e efeito - entre o desastre e a atrocidade por mim cometida. Mas estou descrevendo uma seqüência de fatos, e não desejo omitir nenhum dos elos dessa cadeia de acontecimentos. No dia seguinte ao do incêndio, visitei as ruínas. As paredes, com exceção de uma apenas, tinham desmoronado. Densa multidão se reunira em torno dessa parede, e muitas pessoas examinavam, com particular atenção e minuciosidade, uma parte dela. As palavras "Putz grila!", "Caráca! Véi!", bem como outras expressões semelhantes, despertaram-me a curiosidade. Aproximei-me e vi, como se gravada em baixo-relevo sobre a superfície branca, a figura do autor de "O Corvo" como que num outdoor gigantesco. A imagem era de uma exatidão verdadeiramente maravilhosa. Havia uma fogueira embaixo da imagem de Poe.
Logo que vi tal aparição, pois não poderia considerar aquilo como sendo outra coisa, o assombro e terror que se me apoderaram foram extremos. Mas, finalmente, a reflexão veio em meu auxílio. O retrato de Poe, lembrei-me, fora queimado numa churrasqueira que fica no quintal nos fundos da casa. A queda das outras paredes e a cal do muro, juntamente com as chamas e o amoníaco desprendido das cinzas da foto, produziram a imagem tal qual eu agora a via. Ou talvez alguém tenha retirado as cinzas do retrato da churrasqueira e lançando-as, através de uma janela aberta, o que fez com que a imagem do retrato fosse transferida para a parede do meu quarto...
Embora isso satisfizesse prontamente minha razão, não conseguia fazer o mesmo, de maneira completa, com minha consciência, pois o surpreendente fato que acabo de descrever não deixou de causar-me, apesar de tudo, profunda impressão. Durante dias, não pude livrar-me do fantasma de Poe e, nesse espaço de tempo, nasceu em meu espírito uma espécie de sentimento que parecia remorso, embora não o fosse. Cheguei, mesmo, a lamentar a perda do retrato e a procurar, nos sórdidos lugares que então freqüentava - Feira da Ceilândia, Cebinho, Café da Rua 08 ou na Banca Brasiliana da RodoStation do Plano Piloto - outra foto do poeta que pudesse substituí-lo.
Uma noite, em que me achava sentado, meio aturdido, num antro mais do que infame, tive a atenção despertada, subitamente, por um objeto negro que jazia no alto de um dos enormes engradados de Fanta, Coca-cola, Guaraná Antártica ou sei lá o quê – não concebo bem que refrigerante pudesse ser – que constituíam quase que o único mobiliário do recinto. Fazia já alguns minutos que olhava fixamente o alto dos engradados, e o que então me surpreendeu foi não ter visto antes o que havia sobre o mesmo.
Levantei-me e o encarei como horror. Era um retrato emoldurado de Poe – tão grande quanto o que eu havia queimado – e que, sob todos os aspectos, salvo um, se assemelhava a ele: pelo semblante do autor, tive a nítida impressão que este parecia me encarar e me julgar com os olhos! Penso que era o olhar dele! Sim, era isso! Seus olhos pareciam com os de um abutre... olhos pálidos, como os de quem sofre de catarata. Meu sangue se enregelava ao sentir que seu olhar caía sobre mim; e assim, pouco a pouco, bem lentamente, fui-me decidindo a tirar o quadro daquele lugar, destruí-lo e assim libertar-me daqueles olhos para sempre.
Ora, aí é que estava o problema. A esta altura, deveis imaginar que sou louco. Mas os loucos nada sabem. Deveríeis, porém, ter-me visto. Deveríeis ter visto como procedi cautelosamente, com que prudência, com que previsão, com que dissimulação lancei mão à obra!
Fui mais cauteloso do que de hábito. O ponteiro dos minutos de um relógio mover-se-ia mais rapidamente do que meus dedos. Jamais, antes daquela noite, sentira eu tanto a extensão de meus próprios poderes, de minha sagacidade. Mal conseguia conter meus sentimentos de triunfo. Pensar que ali estava eu, pouco a pouco, na iminência de me livrar daquele olhar... Ri com gosto, entre dentes... O quadro estava num local escuro como piche, espesso de sombra. E eu continuei a avançar, cada vez mais, cada vez mais. Fiquei completamente silencioso e nada disse.
Ao aproximar-me, um feixe de luz iluminou uma parte do quadro e, novamente, pude ver os olhos do poeta. Eles estavam abertos, plenamente abertos. E, ao contemplá-los, minha fúria cresceu. Vi-o, com perfeita clareza; Poe me fitava com olhar de reprovação! Seus olhos tinham um aspecto desbotado, com uma horrível película a cobri-los, o que me enregelava até a medula dos ossos. Mas não podia ver nada mais da face, pois a fresta dirigira a luz como por instinto, sobre o maldito lugar.
De súbito, chegou a meus ouvidos um som baixo, duas palavras que não conseguia entender, algo como o tique-taque de um relógio, quando abafado com algodão, ou o sistema de som do Cine Márcia, quando exibindo um filme de ação.. Eu não sabia bem que som era e, acreditara tratar-se do bater do meu coração. Ele me aumentava a fúria, como o bater um tambor estimula a coragem do soldado.
Ainda aí, porém, refreei-me e fiquei quieto. Tentei manter-me tão focalizado em meu objetivo quanto a réstia de luz sobre os olhos do poeta. Entretanto, o infernal som aumentava. A cada instante ficava mais alto, mais rápido! Cada vez mais alto, repito, a cada momento! Prestai-me bem atenção? Disse-vos que houvera me tornado mais irritadiço do que eu um dia fora. E então, àquela hora morta da noite, tão estranho ruído excitou em mim um terror incontrolável. Contudo, por alguns minutos mais, dominei-me e fiquei quieto. Mas o barulho era cada vez mais alto.
E, depois, nova angústia me aferrou: o ruído poderia ser ouvido pelo dono do bar! A hora de me livrar daquele retrato maldito tinha chegado! Com reflexos semelhantes aos de um ninja, rapidamente retirei a foto da moldura e a embolei, colocando-a em meu bolso. Então, voltei rapidamente para minha casa – que agora estava em adiantada fase de reconstrução. Arranquei três cerâmicas do soalho do quarto e coloquei a foto entre os vãos. Novamente, ateei-lhe fogo e depois recoloquei as cerâmicas, com tamanha habilidade e perfeição, que nenhum olhar humano, nem mesmo o dele, poderia distinguir qualquer coisa suspeita.
Nada havia a lavar, nem mancha de espécie alguma. Fora demasiado prudente no evitá-las. Uma demão de cera tinha recolhido tudo... Ah! Ah! Ah! Terminadas todas essas tarefas, eram quatro horas. Mas ainda estava escuro, como se fosse meia-noite. Como tenho insônia, para mim era normal dormir tão tarde. Quando o sino do relógio soou a hora, bateram a porta da rua. Desci para abri-la, de coração ligeiro,... pois que tinha eu agora a temer?
Entraram três homens que se apresentaram, com perfeita mansidão, como estudantes de literatura. Fora ouvido de um vizinho, que eu tinha em meu poder um retrato de Edgar Allan Poe. Despertara-se a suspeita de eu houvera cometido um crime contra a sua memória. Tinha-se formulado uma denúncia e eles, estudantes de Letras, tinham sido mandados para investigar.
Sorri... pois, que tinha eu a temer? Dei as boas vindas aos cavalheiros. O retrato, disse eu, não existia, só em sonhos. Poe, relatei, nunca gostara de tirar fotos, portanto, como poderia eu ter alguma foto sua? Levei meus visitantes a percorrer toda a casa. Pedi que dessem busca... completa. Conduzi-os, afinal, ao quarto. No entusiasmo de minha confiança, trouxe cadeiras para o quarto e mostrei desejos de que eles ficassem ali, para descansar de suas fadigas, enquanto eu mesmo, na desenfreada audácia do meu perfeito triunfo, colocava minha própria cadeira, precisamente sobre o lugar onde repousavam as cinzas da vítima.
Os alunos ficaram satisfeitos. Minhas maneiras os haviam convencido. Sentia-me singularmente à vontade. Sentaram-se e, enquanto eu respondia cordialmente, conversavam coisas familiares. Mas, dentro em pouco, senti que ia empalidecendo e desejei que eles se retirassem. Minha cabeça me doía e parecia-me ouvir zumbidos nos ouvidos; eles, porém, continuavam sentados e continuavam a conversar. O zumbido tornou-se mais distinto. Continuou e tornou-se ainda mais distinto: eu falava com mais desenfreio, para dominar a sensação: ela, porém, continuava a aumentava sua perceptibilidade, até que, afinal, descobri que o barulho não era dentro dos meus ouvidos.
É claro que então minha palidez aumentou excessivamente. Mas eu falava ainda mais fluentemente e num tom de voz muito elevada. Não obstante, o som se avolumava... E que podia fazer? Era um som grave, monótono, rápido... muito semelhante ao do sistema de som do Cine Márcia, quando exibindo um filme de ação. Eu respirava com dificuldade... E no entanto, os estudantes não o ouviram. Falei mais depressa ainda, com mais veemência. Mas o som aumentava constantemente. Levantei-me e fiz perguntas a respeito de ninharias, num tom bastante elevado, e com violenta gesticulação, mas o som constantemente aumentava.
Por que não se iam embora? Andava pelo quarto acima e abaixo, com largas e pesadas passadas, como se excitado até a fúria pela permanência dos estudantes... mas o som aumentava constante. Oh! Deus! Que poderia eu fazer? Espumei... enraiveci-me... praguejei! Fiz girar a cadeira, sobre a qual estivera sentado, e arrastei-a sobre as cerâmicas, mas o barulho se elevava acima de tudo e continuamente aumentava. Tornou-se então mais alto... mais alto... mais alto!
E os homens continuavam ainda a passear, satisfeitos e sorriam. Seria possível que eles não ouvissem? Deus Todo Poderoso!... não, não! Eles suspeitavam!.. Eles sabiam!... Estavam zombando do meu horror!... Isto pensava eu e ainda penso. Outra coisa qualquer, porém, era melhor que essa agonia! Qualquer coisa era mais tolerável que essa irrisão! Não podia suportar por mais tempo aqueles sorrisos hipócritas! Sentia que devia gritar ou morrer!... E agora... de novo! Escutai!
Mais alto!
Mais alto!
Mais alto!
Mais alto!
Mais alto...
Tudo bem! - trovejei – Vocês não precisam mais fingir que não escutam! Confesso o crime!... Arranquem as cerâmicas!.. aqui, aqui! ... ouçam o desgraçado dizer: “Nunca mais, nunca mais...”
FIM
Marcos Lima
*Que, depois dessa, deve estar se contorcendo no túmulo...
sábado, 14 de maio de 2005
Salim e sua empregada
Salim era milionário e não tinha se casado para não gastar dinheiro. Seu único luxo era sua empregada, Jacira, uma morena lindíssima. Todo dia, durante anos, quando Salim chegava em casa, Jacira servia o jantar e ia tomar banho.
Até que um dia, Salim estava jantando e ficou ouvindo o barulho da água, pensando na Jacira tomando banho.
Mastigava a comida e pensava na Jacira tomando banho...
Mastigava a comida e pensava na Jacira tomando banho...
Mastigava a comida e pensava na Jacira tomando banho...
Até que se levantou da mesa e foi até o banheiro. Bateu na porta:
- Jacira, você está tomando banho?
- Estou, Seu Salim.
- Jacira, abre a porta pra Salim.
- Mas, Seu Salim... estou nua...
- Jacira, abre a porta pra Salim.
A Jacira não resistiu muito e acabou por abrir a porta. Nesse momento, Salim entra no banheiro, vê Jacira nua e pergunta:
- Jacira, quer foder com Salim?
- Mas seu Salim, eu não sei...
- Jacira, quer foder com Salim?
- Sim, quero sim, seu Salim.
Então Salim pulou em cima dela.... botou a mão no registro do chuveiro e...
- Jacira não vai foder Salim não !!! -
fechando o registro
- Chega de gastar o água... vai foder outro!!!
Até que um dia, Salim estava jantando e ficou ouvindo o barulho da água, pensando na Jacira tomando banho.
Mastigava a comida e pensava na Jacira tomando banho...
Mastigava a comida e pensava na Jacira tomando banho...
Mastigava a comida e pensava na Jacira tomando banho...
Até que se levantou da mesa e foi até o banheiro. Bateu na porta:
- Jacira, você está tomando banho?
- Estou, Seu Salim.
- Jacira, abre a porta pra Salim.
- Mas, Seu Salim... estou nua...
- Jacira, abre a porta pra Salim.
A Jacira não resistiu muito e acabou por abrir a porta. Nesse momento, Salim entra no banheiro, vê Jacira nua e pergunta:
- Jacira, quer foder com Salim?
- Mas seu Salim, eu não sei...
- Jacira, quer foder com Salim?
- Sim, quero sim, seu Salim.
Então Salim pulou em cima dela.... botou a mão no registro do chuveiro e...
- Jacira não vai foder Salim não !!! -
fechando o registro
- Chega de gastar o água... vai foder outro!!!
domingo, 1 de maio de 2005
A incapacidade de ser verdadeiro
Carlos Drummond de Andrade
Paulo tinha fama de mentiroso. Um dia chegou em casa dizendo que vira no campo dois dragões-da-independência cuspindo fogo e lendo fotonovelas. A mãe botou-o de castigo, mas na semana seguinte ele veio contando que caíra no pátio da escola um pedaço de lua, todo cheio de buraquinhos, feito queijo, e ele provou e tinha gosto de queijo. Desta vez Paulo não só ficou sem sobremesa como foi proibido de jogar futebol durante quinze dias.
Quando o menino voltou falando que todas as borboletas da Terra passaram pela chácara de Siá Elpídia e queriam formar um tapete voador para transportá-lo ao sétimo céu, a mãe decidiu levá-lo ao médico. Após o exame, o Dr. Epaminondas abanou a cabeça:
- Não há nada a fazer, Dona Coló. Este menino é mesmo um caso de poesia.
---------
Texto extraído de: ANDRADE, Carlos Drummond de. A cor de cada um. Rio de Janeiro, Ed. Record, 1998.
Paulo tinha fama de mentiroso. Um dia chegou em casa dizendo que vira no campo dois dragões-da-independência cuspindo fogo e lendo fotonovelas. A mãe botou-o de castigo, mas na semana seguinte ele veio contando que caíra no pátio da escola um pedaço de lua, todo cheio de buraquinhos, feito queijo, e ele provou e tinha gosto de queijo. Desta vez Paulo não só ficou sem sobremesa como foi proibido de jogar futebol durante quinze dias.
Quando o menino voltou falando que todas as borboletas da Terra passaram pela chácara de Siá Elpídia e queriam formar um tapete voador para transportá-lo ao sétimo céu, a mãe decidiu levá-lo ao médico. Após o exame, o Dr. Epaminondas abanou a cabeça:
- Não há nada a fazer, Dona Coló. Este menino é mesmo um caso de poesia.
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Texto extraído de: ANDRADE, Carlos Drummond de. A cor de cada um. Rio de Janeiro, Ed. Record, 1998.
sexta-feira, 22 de abril de 2005
Bêbado e esquecido
José havia passado o dia inteiro bebendo. À noite, ainda no bar, o garçom lhe disse:
- Aí José, já vamos fechar. VÁ EMBORA!!!!!
- Estou indo... - disse José.
José se levanta e cai no chão, então ele pensa: "Vou me arrastando pra fora". Ao chegar na porta, tenta se levantar e cai novamente. Então ele pensa: "Vou me arrastando pra casa". Ao chegar em casa, perto de sua cama, tenta se levantar e cai mais uma vez, mas já em sua cama. No outro dia sua mulher briga com ele:
- José, seu pé-inchado!!! Voltou bêbado novamente!!!!
- Como você sabe mulher??? Você já estava dormindo quando cheguei em casa!!!! - disse José.
- É que o dono do bar ligou hoje cedo para avisar que você esqueceu sua cadeira-de-rodas lá outra vez!
- Aí José, já vamos fechar. VÁ EMBORA!!!!!
- Estou indo... - disse José.
José se levanta e cai no chão, então ele pensa: "Vou me arrastando pra fora". Ao chegar na porta, tenta se levantar e cai novamente. Então ele pensa: "Vou me arrastando pra casa". Ao chegar em casa, perto de sua cama, tenta se levantar e cai mais uma vez, mas já em sua cama. No outro dia sua mulher briga com ele:
- José, seu pé-inchado!!! Voltou bêbado novamente!!!!
- Como você sabe mulher??? Você já estava dormindo quando cheguei em casa!!!! - disse José.
- É que o dono do bar ligou hoje cedo para avisar que você esqueceu sua cadeira-de-rodas lá outra vez!
Sou do tamanho do que vejo!
«Sou do tamanho do que vejo!» Cada vez que penso esta frase com toda a atenção dos meus nervos, ela me parece mais destinada a reconstruir consteladamente o universo. «Sou do tamanho do que vejo!» Que grande posse mental vai desde o poço das emoções profundas até às altas estrelas que se reflectem nele, e, assim, em certo modo, ali' estão.
E já agora, consciente de saber ver, olhou vasta metafísica objectiva dos céus todos com uma segurança que me dá vontade de morrer cantando. «Sou do tamanho do que vejo!» E o vago luar, inteiramente meu, começa a estragar de vago o azul meio-negro - do horizonte.
Tenho vontade de erguer os braços e gritar coisas de uma selvajaria ignorada, de dizer palavras aos mistérios altos, de afirmar uma nova personalidade larga aos grandes espaços da matéria vazia.
Mas recolho-me e abrando. «Sou do tamanho do que vejo!» E a frase fica-me sendo a-alma inteira, encosto' a ela todas as emoções que sinto, e sobre mim, por dentro, como sobre a cidade por fora, cai a paz indecifrável do luar duro que começa largo com o anoitecer.
------------
Trecho extraído de: PESSOA, Fernando. Livro do desassossego, composto por Bernardo Soares, São Paulo, Cia das Letras, 2003.
E já agora, consciente de saber ver, olhou vasta metafísica objectiva dos céus todos com uma segurança que me dá vontade de morrer cantando. «Sou do tamanho do que vejo!» E o vago luar, inteiramente meu, começa a estragar de vago o azul meio-negro - do horizonte.
Tenho vontade de erguer os braços e gritar coisas de uma selvajaria ignorada, de dizer palavras aos mistérios altos, de afirmar uma nova personalidade larga aos grandes espaços da matéria vazia.
Mas recolho-me e abrando. «Sou do tamanho do que vejo!» E a frase fica-me sendo a-alma inteira, encosto' a ela todas as emoções que sinto, e sobre mim, por dentro, como sobre a cidade por fora, cai a paz indecifrável do luar duro que começa largo com o anoitecer.
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Trecho extraído de: PESSOA, Fernando. Livro do desassossego, composto por Bernardo Soares, São Paulo, Cia das Letras, 2003.
sábado, 16 de abril de 2005
Maneira de amar
Carlos Drummond de Andrade
O jardineiro conversava com as flores, e elas se habituaram ao diálogo. Passava manhãs contando coisas a uma cravina ou escutando o que lhe confiava um gerânio. O girassol não ia muito com sua cara, ou porque não fosse homem bonito, ou porque os girassóis são orgulhosos de natureza. Em vão o jardineiro tentava captar-lhe as graças, pois o girassol chegava a voltar-se contra a luz para não ver o rosto que lhe sorria. Era uma situação bastante embaraçosa, que as outras flores não comentavam. Nunca, entretanto, o jardineiro deixou de regar o pé de girassol e de renovar-lhe a terra, na ocasião devida.
O dono do jardim achou que seu empregado perdia muito tempo parado diante dos canteiros, aparentemente não fazendo coisa alguma. E mandou-o embora, depois de assinar a carteira de trabalho. Depois que o jardineiro saiu, as flores ficaram tristes e censuravam-se porque não tinham induzido o girassol a mudar de atitude. A mais triste de todas era o girassol, que não se conformava com a ausência do homem. “Você o tratava mal, agora está arrependido.” “Não”, respondeu, “estou triste porque agora não posso tratá-lo mal. É a minha maneira de amar, ele sabia disso, e gostava.”
Texto extraído de: ANDRADE, Carlos Drummond de. A cor de cada um. Rio de Janeiro, Ed. Record, 1998
O jardineiro conversava com as flores, e elas se habituaram ao diálogo. Passava manhãs contando coisas a uma cravina ou escutando o que lhe confiava um gerânio. O girassol não ia muito com sua cara, ou porque não fosse homem bonito, ou porque os girassóis são orgulhosos de natureza. Em vão o jardineiro tentava captar-lhe as graças, pois o girassol chegava a voltar-se contra a luz para não ver o rosto que lhe sorria. Era uma situação bastante embaraçosa, que as outras flores não comentavam. Nunca, entretanto, o jardineiro deixou de regar o pé de girassol e de renovar-lhe a terra, na ocasião devida.
O dono do jardim achou que seu empregado perdia muito tempo parado diante dos canteiros, aparentemente não fazendo coisa alguma. E mandou-o embora, depois de assinar a carteira de trabalho. Depois que o jardineiro saiu, as flores ficaram tristes e censuravam-se porque não tinham induzido o girassol a mudar de atitude. A mais triste de todas era o girassol, que não se conformava com a ausência do homem. “Você o tratava mal, agora está arrependido.” “Não”, respondeu, “estou triste porque agora não posso tratá-lo mal. É a minha maneira de amar, ele sabia disso, e gostava.”
Texto extraído de: ANDRADE, Carlos Drummond de. A cor de cada um. Rio de Janeiro, Ed. Record, 1998
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