terça-feira, 3 de julho de 2012

Poderoso cavalheiro é Dom Dinheiro


Francisco de Quevedo

Mãe, eu ao ouro me humilho,
ele é meu amante e meu amado,
e, de tão enamorado,
de contínuo anda amarelado;
e em fortunas ou trocados,
faz tudo quanto quero,
poderoso cavalheiro
é dom Dinheiro.


Nasce nas Índias honrado,
onde o mundo o acompanha;
vem morrer na Espanha,
e é em Gênova enterrado.
e ademais, quem o tem a seu lado
é formoso, embora seja feio,
poderoso cavalheiro
é dom Dinheiro.


É galã e é como um ouro;
tem quebrada a cor,
pessoa de grande valor,
tão cristão quanto mouro;
pois dá e quita o decoro
e quebranta qualquer foro,
poderoso cavalheiro
é dom Dinheiro.


São seus pais principais
e é de nobres, descendente
porque nas veias do Oriente
todos os sangues são Reais.
e, portanto, é quem torna iguais
ao rico e ao pedinte,
poderoso cavalheiro
é dom Dinheiro.


E quem não se encanta
de ver em sua glória, sem taxa,
o que é o pior de sua casa
dona Blanca de Castilla?
Mas eis que sua força humilha
ao covarde e ao guerreiro,
poderoso cavalheiro
é dom Dinheiro.


Seus escudos de armas nobres
são sempre tão principais,
que sem seus escudos reais
não há escudos de armas duplas;
e pois às mesmas duras
da cobiça seu mineiro,
poderoso cavalheiro
é dom Dinheiro.


Por importar nos tratos
e dar tão bons conselhos
nas casas dos velhos
gatos lhe guardam de gatos;
e assim ele rompe recatos
e abranda ao juiz mais severo,
poderoso cavalheiro
é dom Dinheiro.


É tanta sua majestade,
que, embora sejam seus duelos fartos,
ele, ainda tendo esquartejado
não perde sua qualidade.
mas, com certeza, dá autoridade
ao camponês e ao jornaleiro,
poderoso cavalheiro
é dom Dinheiro.


Nunca vi damas ingratas
ao seu gosto e afeição,
que às caras com um dobrão
fazem suas caras baratas;
e assim faz as bravatas
de uma bolsa de couro,
poderoso cavalheiro
é dom Dinheiro.


Mais valem em qualquer terra
(vejam se não é realmente sagaz)
seus escudos na paz,
que escudos na guerra;
pois ao nativo desterra
e faz nativo o forasteiro.
poderoso cavalheiro
é dom Dinheiro.

Poderoso caballero es don DineroFrancisco de Quevedo
Madre, yo al oro me humillo,
él es mi amante y mi amado,
pues de puro enamorado
de continuo anda amarillo;
que pues, doblón o sencillo,
hace todo cuanto quiero,
poderoso caballero
es don Dinero.
Nace en las Indias honrado
donde el mundo le acompaña;
viene a morir en España
y es en Génova enterrado;
y pues quien le trae al lado
es hermoso aunque sea fiero,
poderoso caballero
es don Dinero.
Es galán y es como un oro;
tiene quebrado el color,
persona de gran valor,
tan cristiano como moro;
pues que da y quita el decoro
y quebranta cualquier fuero,
poderoso caballero
es don Dinero. 
Son sus padres principales,
y es de noble descendiente,
porque en las venas de oriente
todas las sangres son reales;
y pues es quien hace iguales
al duque y al ganadero,
poderoso caballero
es don Dinero.
Mas ¿a quién no maravilla
ver en su gloria sin tasa
que es lo menos de su casa
doña Blanca de Castilla?
Pero pues da al bajo silla,
y al cobarde hace guerrero,
poderoso caballero
es don Dinero. 
Sus escudos de armas nobles
son siempre tan principales,
que sin sus escudos reales
no hay escudos de armas dobles;
y pues a los mismos robles
da codicia su minero,
poderoso caballero
es don Dinero. 
Por importar en los tratos
y dar tan buenos consejos,
en las casas de los viejos
gatos le guardan de gatos;
y pues él rompe recatos
y ablanda al jüez más severo,
poderoso caballero
es don Dinero.
Y es tanta su majestad,
aunque son sus duelos hartos,
que con haberle hecho cuartos,
no pierde su autoridad;
pero, pues da calidad
al noble y al pordiosero,
poderoso caballero
es don Dinero.
Nunca vi damas ingratas
a su gusto y afición,
que a las caras de un doblón
hacen sus caras baratas;
y pues hace las bravatas
desde una bolsa de cuero,
poderoso caballero
es don Dinero.
Más valen en cualquier tierra
mirad si es harto sagaz,
sus escudos en la paz,
que rodelas en la guerra;
y pues al pobre le entierra
y hace propio al forastero,
poderoso caballero
es don Dinero.

domingo, 24 de junho de 2012

A chuva


Jorge Luis Borges

Bruscamente tem a tarde se iluminado
Porque já cai a chuva minuciosa.
Cai ou caiu. A chuva é uma coisa
que sem dúvidas acontece no passado.

Quem a ouve cair, terá recordado
o tempo em que a sorte venturosa
lhe revelou uma flor chamada rosa
e a curiosa cor do avermelhado.

Esta chuva que cega os cristais
Alegrará em perdidos confins
as negras uvas de uma parreira em certo
pátio que já não existe. A molhada
tarde me traz a voz, a voz desejada,
de meu pai que volta e que não está morto.

La Lluvia
Jorge Luis Borges
Bruscamente la tarde se ha aclarado
porque ya cae la lluvia minuciosa.
Cae o cayó. La lluvia es una cosa
que sin duda sucede en el pasado.
Quien la oye caer ha recobrado
el tiempo en que la suerte venturosa
le reveló una flor llamada rosa
y el curioso color del colorado.
Esta lluvia que ciega los cristales
alegrará en perdidos arrabales
las negras uvas de una parra en cierto
patio que ya no existe. La mojada
tarde me trae la voz, la voz deseada,
de mi padre que vuelve y que no ha muerto
. 
Jorge Luis Borges, In: “El hacedor”, 1960.

domingo, 6 de maio de 2012

Eu fui


Luis Cernuda

Eu fui.
Coluna ardente, lua de primavera.
Mar dourado, olhos grandes.

Busquei o que pensava;
pensei, com o amanhecer em solo lânguido,
o que pinta o desejo em dias adolescentes.
Cantei, subi,
fui luz um dia
arrastado na chama.

Como um golpe de vento
que desfaz a sombra,
caí no negro,
num mundo insaciável.

Tenho sido.


Yo fui... 

Yo fui.
Columna ardiente, luna de primavera.
Mar dorado, ojos grandes.
Busqué lo que pensaba;
pensé, como al amanecer en sueño lánguido,
lo que pinta el deseo en días adolescentes.
Canté, subí,
fui luz un día
arrastrado en la llama.
Como un golpe de viento
que deshace la sombra,
caí en lo negro,
en el mundo insaciable.
He sido.

sábado, 1 de outubro de 2011

El verano

Juana de Ibarbourou



Estaba tan absorta frente al mundo
que no sentí como volaba el tiempo
siempre adelante con sus duras garras
cargadas de sucesos y momentos,
halcón imperturbable, me llevaba
también a mí, la joven e inocente.
Y quise detenerme, mas no pude
se me filtra en la oscura cabellera
la escarcha de los fríos inclementes,
esclava de sus pasos siempre anduve
en busca del verano que es mi patria
como no puedo hallarle me he sentado
a llorar. Ya no soy sino una apátrida.

Estava tão absorta diante do mundo
Que não senti como voava o tempo
Sempre adiante com suas duras garras
Carregadas de sucessos e momentos,
Falcão imperturbável me levava
Também a mim, a jovem e inocente.
E quis me deter, mas não pude
A escura cabeleira me filtra
A geada dos frios inclementes,
Escrava de seus passos sempre andei
Em busca do verão que é minha pátria
Como não posso encontra-lo me pus
A chorar. Já não sou senão uma apátrida.

domingo, 18 de setembro de 2011

Botella al mar

Botella al mar
Mario Benedetti

El mar un azar
Vicente Huidobro

Pongo estos seis versos en mi botella al mar
con el secreto designio de que algún día
llegue a una playa casi desierta
y un niño la encuentre y la destape
y en lugar de versos extraiga piedritas
y socorros y alertas y caracoles.


Garrafa ao mar
Mario Benedetti

O mar um azar
Vicente Huidobro

Coloco estes seis versos em minha garrafa ao mar
com o secreto desígnio de que algum dia
chegue a uma praia quase deserta
e um menino a encontre e a destampe
e no lugar de versos extraia pedrinhas
e socorros e alertas e caracóis.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

What happened in my birth year?

In 1976, the world was a different place.

There was no Google yet. Or Yahoo.

In 1976, the year of your birth, the top selling movie was Rocky. People buying the popcorn in the cinema lobby had glazing eyes when looking at the poster.
Remember, that was before there were DVDs. People were indeed watching movies in the cinema, and not downloading them online. Imagine the packed seats, the laughter, the excitement, the novelty. And mostly all of that without 3D computer effects.

Do you know who won the Oscars that year? The academy award for the best movie went to Rocky. The Oscar for best foreign movie that year went to Black and White in Color. The top actor was Peter Finch for his role as Howard Beale in Network. The top actress was Faye Dunaway for her role as Diana Christensen in Network. The best director? John G. Avildsen for Rocky.

In the year 1976, the time when you arrived on this planet, books were still popularly read on paper, not on digital devices. Trees were felled to get the word out. The number one US bestseller of the time was Trinity by Leon Uris. Oh, that's many years ago. Have you read that book? Have you heard of it? Look at the cover!
In 1976... the first commercial Concorde flight takes off. The trial against jailed members of the Red Army Faction begins in Stuttgart, West Germany. The United States vetoes a United Nations resolution that calls for an independent Palestinian state. Western Sahara declares independence. General Murtala Mohammed of Nigeria is assassinated in a military coup. The first 4.6 miles of the Washington Metro subway system opens. Apple Computer Company is formed by Steve Jobs and Steve Wozniak. As a measure to curb population growth, the minimum age for marriage in India is raised to 21 years for men and 18 years for women. The Eurovision Song Contest 1976 is won by Brotherhood of Man, representing the United Kingdom, with their song Save Your Kisses for Me. The chimes of Big Ben stopped when part of the chiming mechanism disintegrated through metal fatigue. The Viking 2 spacecraft lands at Utopia Planitia on Mars, taking the first close-up color photos of the planet's surface. The video game of the day was Breakout.

That was the world you were born into. Since then, you and others have changed it.

The Nobel prize for Literature that year went to Saul Bellow. The Nobel Peace prize went to Betty Williams and Mairead Corrigan. The Nobel prize for physics went to Burton Richter and Samuel Chao Chung Ting from the United States for their pioneering work in the discovery of a heavy elementary particle of a new kind. The sensation this created was big. But it didn't stop the planets from spinning, on and on, year by year. Years in which you would grow bigger, older, smarter, and, if you were lucky, sometimes wiser. Years in which you also lost some things. Possessions got misplaced. Memories faded. Friends parted ways. The best friends, you tried to hold on. This is what counts in life, isn't it?

The 1970s were indeed a special decade. Women's liberation continued. The hippie culture faded. There was an opposition to the Vietnam war, and nuclear weapons. The environmentalist movement began. Tom Wolfe coined the decade the "Me decade" due to a new self-awareness. Mao Zedong died and the market began to liberate in China. There was an oil crisis. After the first oil shock, gasoline was rationed in many countries. In Eastern Europe, Soviet-style command economies begin showing signs of stagnation. The Summer Olympics in Munich, Germany, witness the kidnapping and murder of Israeli athletes by Palestinian Arab terrorists. The Soviet Union invaded Afghanistan. The Who, Pink Floyd, The Eagles, Bee Gees, Abba and others play their music. Jimi Hendrix, Janis Joplin and Jim Morrison all die at the age of 27. The space mission Apollo 13 nearly ends in disaster. Egypt signed the Egyptian-Israeli peace treaty. There was a revolution in Iran. The world sees its first general microprocessor. The C programming language makes its debut. Consumer video games show up on the scene. Microwave ovens become commercially available. Margaret Thatcher was victorious in the UK elections.

Do you remember the movie that was all the rage when you were 15? The Silence of the Lambs. Do you still remember the songs playing on the radio when you were 15? Maybe it was I've Been Thinking About You by Londonbeat. Were you in love? Who were you in love with, do you remember?

In 1976, 15 years earlier, a long time ago, the year when you were born, the song Don't Go Breaking My Heart by Elton John and Kiki Dee topped the US charts. Do you know the lyrics? Do you know the tune? Sing along.

You take the weight off me
Honey when you knock on my door
I gave you my key
Nobody knows it
When I was down
I was your clown
Nobody knows it
Right from the start
I gave you my heart
I gave you my heart
...

There's a kid outside, shouting, playing. It doesn't care about time. It doesn't know about time. It shouts and it plays and thinks time is forever. You were once that kid.

When you were 9, the movie Return to Oz was playing. When you were 8, there was The Karate Kid. When you were 7, there was a Disney movie out called The Fox and the Hound. Does this ring a bell?
6, 5, 4, 3, 2, 1... it's 1976. There's TV noise coming from the second floor. Someone turned up the volume way too high. The sun is burning from above. These were different times. The show playing on TV is The Bionic Woman. The sun goes down. Someone switches channels. There's Laverne & Shirley on now. That's the world you were born in.

Progress, year after year. Do you wonder where the world is heading towards? The technology available today would have blown your mind in 1976. Do you know what was invented in the year you were born? The Gore-Tex Fabric. Perpendicular Recording. Polyphony.

We better keep all remembering this land now.
This land full of people bent
On gettin' their kicks Lord, Lord.
I think we all better pick up the sticks.
In 1976.
...

That's from the song 1976 by Grand Funk Railroad.

In 1976, a new character entered the world of comic books: Captain Britain. Bang! Boom! But that's just fiction, right? In the real world, in 1976, Melissa Joan Hart was born. And Scott Caan. Colin Farrell, too. And you, of course. Everyone an individual. Everyone special. Everyone taking a different path through life.
It's 2010.

The world is a different place.

What path have you taken?

Fonte: http://whathappenedinmybirthyear.com/

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Não estou lá


Tantas faces diversas. Tantas fases diversas. Tantos modos complementares de contar a mesma personalidade artística sem cair na hagiografia, mas também sem perder aquele aspecto de espiada pelo buraco da fechadura, pela qual se podem ver segredos inconfessáveis. Uma teia de tramas coerente e plena de citações nem sempre fáceis de serem decifradas. Todas essas características podem ser aplicadas tanto ao filme “Não estou lá” (I’m not there, EUA, 2007), de Todd Haynes, como ao menestrel Bob Dylan.

O título o filme já dá uma idéia do paradoxo: Bob Dylan não está no filme baseado em... Bob Dylan. Trata-se da tentativa de representar numa experiência emotiva e sensorial a sua trajetória na vida, seus humores e suas canções. Não é sem motivo que no filme há seis personagens a encarná-lo nas diversas fases de sua existência, cada um com um nome diferente, a compor uma espécie de biografia anômala e coral que reflete a alma controversa de um homem inquieto e fragmentado.

Cada avanço ou retrocesso no tempo da narrativa adota um estilo de acordo com as fases/faces de Dylan: multicolorido e esculpido quando o astro egoísta se compraz do dinheiro e do sucesso (e ignora a mulher); psicodélico e burlesco nos momentos de sua imersão na Londres beatlemaníaca; ou mesmo surreal no segmento em que Richard Gere se traveste de Billy the Kid. Embora haja um inevitável envolvimento do expectador, alguns elementos fazem com que o filme, de forma semelhante com o que acontece com a música de Dylan, com que o filme se distancie de um entretenimento com o qual seja fácil a identificação.

Bob Dylan percebeu o quanto era necessário uma evolução artística para ele e soube que não poderia se limitar por aquilo que seus fãs aguardavam ou pediam. E por não ter se comprometido com qualquer filosofia estética específica, tanto por seus fãs ou por seus críticos, tornou-se livre para fazer o que quer que desejasse como artista.

Mais do que tentar apresentar quem foi Bob Dylan, a preocupação maior de Haynes, o diretor, parece ser a de apresentar a recusa de Dylan em se conformar a um padrão – seja a uma única identidade, seja a um modelo pré-estabelecido de gênero musical. O filme, tão enigmático como aquele que o inspirou, parece não se ater a qualquer verdade real ou imaginária, mas ao invés prefere explorar o modo como projetamos nossa própria expectativa sobre aqueles que se colocam diante da opinião pública.

Ao invés de proporcionar apenas uma porção limitada do assunto, instruindo o expectador como prestar atenção e tirar conclusões sobre o que eles acreditam ser o significado de tudo, tanto o filme de Haynes como a obra de Dylan permitem e deixam com que o expectador (ou o ouvinte) decida aquilo que é importante e o que não é.

O andamento irregular, as transições desordenadas, as sobreposições dentro da mesma seqüência, as inserções surrealistas, o simbolismo por trás das críticas e mesmo a trilha sonora fora de ordem cronológica, transportam para o cinema o lirismo, a complexidade, a fragmentação, os saltos lógicos e acima de tudo atestam a relevância de conter nos créditos a informação “letras e músicas de Bob Dylan”.


sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Radiohead, lista dos 5 mais

The Bends, 1995

Se "Pablo Honey" é considerado por alguns uma estréia meio "verde" e indecisa, com apenas uma canção que justifica a aquisição do álbum ("Creep"), "The Bends" marca a virada artística decisiva do grupo e, em particular, de seu instável líder, Thom Yorke. Com canções contemporaneamente evocativas que traduzem perfeitamente a temática do álbum, o segundo trabalho do Radiohead impressiona por suas unidade e qualidade sonora. O som tornou-se muito mais pessoal e facilmente reconhecível, com a extraordinária mistura das três guitarras de O'Brien, Yorke e Jonny Greenwood. Um ótimo exemplo desse novo e invejável rigor estilístico está na fantástica "Fake plastic trees", em que Thom & Cia observam com desgosto as muitas anomalias de uma sociedade supostamente avançada e direcionam sua feroz crítica ao sistema. A elegíaca "Nice dream" e a faixa que empresta nome ao título do disco são denúncias contra o estilo de vida artificial e sujeito aos ditames da moda. Um disco para quem quer ouvir e pensar.

O.K. Computer, 1997

Após três longos anos de espera desde o fantástico "The Bends", a banda retorna com um álbum empolgante e definitivo; uma confirmação extraordinária da genialidade do líder Yorke e inquietante baluarte para os futuros trabalhos do grupo, que a partir de então se torna proprietário de um estilo único. Na verdade, talvez a única pequena imperfeição dessa indiscutível obra de arte é a sua uniformidade, um bloco de melancolia desesperada que arrasta o ouvinte para um interminável vórtice no qual é "masoquísticamente" agradável se perder. "OK computer" é um disco poderosamente original, capaz de misturar elementos de rock progressivo (como o do Pink Floyd) e música eletrônica e experimental (como a do Velvet Underground) e ainda assim obter uma mistura inédita e irresistível, o que pode ser conferido nas já épicas "Paranoid android", "Karma police" e "No surprises". Um manifesto da perplexidade e estranhamento do humano diante da modernidade cada vez mais intrusiva e reificante (não por acaso uma das canções do disco – "Fitler happier" – teoriza como seria uma música interpretada por um computador, totalmente privada de emoções, de sentimentos...). Trata-se, desde o início, de um dos maiores, senão o maior, testemunho artístico do pôr-do-sol (metafórico ou não) da virada do milênio.

Kid A, 2000

Para o Radiohead parece haver uma impossibilidade de ser normal. Após muita espera, várias revisões e contínuos ajustes em estúdio e pesquisa com sons, eis que surge finalmente a criatura: "Kid A". O trabalho é formado quase completamente de sons sombrios, tétricos, indolentes e mesmo aqueles que normalmente são definíveis como canções soam como projetos destinados a assumir outras formas. A primeira audição é angustiante: as linhas clássicas melódicas são praticamente ausentes ou aparecem aqui e ali (como, por exemplo, na faixa de abertura "Everything in its right place" ou na melancólica e linda "How to disappear completely"). Outras vezes, tem-se a impressão de que existe uma tentativa de obter linearidade ("In limbo"), mas, que ela vem expressamente alheia à vontade do grupo, o qual parece disposto a abolir o refrão a todo custo. Ousado e sem precedentes, "Kid A" deixa uma sensação de escassez e secura quase visível e tocável, que pouquíssimos teriam coragem de colocar em cena após um sucesso mundial como "O.K. Computer". "Kid A" talvez seja como uma criança, que nasce sem passado e raízes num cenário de tragédia iminente (quem sabe, talvez a tragédia da modernidade).

Hail To The Thief, 2003

O Radiohead representa, na minha opinião, a encarnação de um sentimento de surpresa e estranhamento; eles são capazes de, a cada novo trabalho, trilhar caminhos diferentes como poucos grupos tiveram coragem de fazer em toda a história da música; capazes de se manter acima de modismos e de dominar com um olhar lúcido e claro a paisagem circundante. A expectativa, na época de lançamento, era de que esse disco sinalizasse um retorno às atmosferas etéreas e rarefeitas de "O.K. Computer", ainda mais após a corajosa publicação dos álbuns gêmeos "Kid A"/"Amnesiac". No entanto, quem esperou por uma reiteração de um discurso prévio ou na repetição de uma fórmula, não encontrou mais que insatisfação. O elemento eletrônico ainda está presente, mas de uma forma muito distinta do dance intelectual de "Kid A". Aqui esse elemento é utilizado na construção de temas quebrados, como na conturbante "Backdrifts", rica em reverberação e sons cósmicos (que remetem, de certa forma, ao som do Kraftwerk) e contornada por ruídos ao fundo que criam de tempo em tempo uma atmosfera fantasmagórica: um conjunto de sinos e teclados que cobrem a canção como um manto. Ainda que a banda não confirme correlação direta, o título do álbum vem de uma frase que acompanhou sarcasticamente a ascensão ao papel de presidente dos EUA de George W. Bush, em 2000, quando ele foi acusado pelos democratas e pela esquerda americana de fraude eleitoral. Essa insatisfação diante desse momento pode ser sentida na faixa de abertura, "2+2=5", em que o descompasso se faz presente já na introdução com uma batida urgente que não se encaixa com o doce dedilhado da guitarra e que em determinado momento se torna uma corrida raivosa e cadenciada pelo canto nervoso de Yorke, num rock quase punk que descarta qualquer hipótese de rima ou refrão. "Hail to the thief" é um álbum excelente, com uma unidade sonora impressionante (embora a sensação rítmica às vezes soe chocante) e constitui a demonstração de uma ética musical que fez da experimentação sua linguagem única: capazes de passar, em dez anos, do pop de "Pablo Honey" à pscodelia de "O.K. Computer" até a definição de um estilo verdadeiro e único. "Hail to the Thief" é mais acessível do que "Kid A", mas não dá para apreciá-lo numa única audição; trata-se de um álbum para ser estudado, entendido, analisado e vivido em todas as suas múltiplas facetas.

In Rainbows, 2007

Pelo tanto que já se falou deste disco desde que foi lançado – palavras ditas e escritas, reais, a respeito de um projeto baseado na virtualidade; afinal este é o primeiro álbum de um grupo importante comercializado inteiramente via Internet – que a discussão sobre o "como" tornou obscuro o debate sobre "o quê", sobre a qualidade intrínseca da música. Agora que a poeira parece ter assentado e após o disco ter sido lançado na forma mais tradicional, é possível analisar a questão musical. Como já se tornou rotina no que diz respeito ao Radiohead, a música continua de altíssima qualidade. Apesar de sempre haver aquela inevitável comparação com os discos anteriores, pode-se dizer que os músicos retornam para mais um trabalho em que demonstram o porquê de formarem uma das bandas mais influentes da música atual. Em todas as dez faixas do disco há um senso de urgência de concretização, de um rock tanto pulsante quanto intelectual, que agrada e impulsiona. Todas as canções se caracterizam pela pesquisa experimental, mas sempre com uma jovialidade que se torna dominante em faixas como "Bodysnatchers", ou insinuante como o toque de harpas em "Weird fishes (Arpeggi!)", ou ainda com a cadência sedutora de "All I need". Os sons são sombrios mas límpidos, a voz é quente, privada daquela espécie de tensão presente, por exemplo, em "Amnesiac". E o melhor de tudo, são canções "rodáveis"/"executáveis", porque já foram pensadas para execução ao vivo, e não como matéria de laboratório aberta a infinitas experimentações. Dessa forma, trata-se de um álbum concreto que, no início, foi vendido de forma imaterial; mais uma bela contradição do Radiohead.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

The Nightmare Before Christmas - O poema original

Tim Burton















It was late one fall in Halloweenland,
and the air had quite a chill.
Against the moon a skeleton sat,
alone upon a hill.
He was tall and thin with a bat bow tie;
Jack Skellington was his name.
He was tired and bored in Halloweenland

"I'm sick of the scaring, the terror, the fright.
I'm tired of being something that goes bump in the night.
I'm bored with leering my horrible glances,
And my feet hurt from dancing those skeleton dances.
I don't like graveyards, and I need something new.
There must be more to life than just yelling,
'Boo!'"

Then out from a grave, with a curl and a twist,
Came a whimpering, whining, spectral mist.
It was a little ghost dog, with a faint little bark,
And a jack-o'-lantern nose that glowed in the dark.
It was Jack's dog, Zero, the best friend he had,
But Jack hardly noticed, which made Zero sad.

All that night and through the next day,
Jack wandered and walked.
He was filled with dismay.
Then deep in the forest, just before night,
Jack came upon an amazing sight.
Not twenty feet from the spot where he stood
Were three massive doorways carved in wood.
He stood before them, completely in awe,
His gaze transfixed by one special door.
Entranced and excited, with a slight sense of worry,
Jack opened the door to a white, windy flurry.

Jack didn't know it, but he'd fallen down
In the middle of a place called Christmas Town!
Immersed in the light, Jack was no longer haunted.
He had finally found the feeling he wanted.
And so that his friends wouldn't think him a liar,
He took the present filled stockings that hung by the fire.
He took candy and toys that were stacked on the shelves
And a picture of Santa with all of his elves.
He took lights and ornaments and the star from the tree,
And from the Christmas Town sign, he took the big letter C.

He picked up everything that sparkled or glowed.
He even picked up a handful of snow.
He grabbed it all, and without being seen,
He took it all back to Halloween.

Back in Halloween a group of Jack's peers
Stared in amazement at his Christmas souvenires.
For this wondrous vision none were prepared.
Most were excited, though a few were quite scared!

For the next few days, while it lightninged and thundered,
Jack sat alone and obsessively wondered.
"Why is it they get to spread laughter and cheer
While we stalk the graveyards, spreading panic and fear?
Well, I could be Santa, and I could spread cheer!
Why does he get to do it year after year?"
Outraged by injustice, Jack thought and he thought.
Then he got an idea. "Yes. . .yes. . .why not!"

In Christmas Town, Santa was making some toys
When through the din he heard a soft noise.
He answered the door, and to his surprise,
He saw weird little creatures in strange disguise.
They were altogether ugly and rather petite.
As they opened their sacks, they yelled, "Trick or treat!"
Then a confused Santa was shoved into a sack
And taken to Halloween to see mastermind Jack.

In Halloween everyone gathered once more,
For they'd never seen a Santa before
And as they cautiously gazed at this strange old man,
Jack related to Santa his masterful plan:
"My dear Mr. Claus, I think it's a crime
That you've got to be Santa all of the time!
But now I will give presents, and I will spread cheer.
We're changing places I'm Santa this year.
It is I who will say Merry Christmas to you!
So you may lie in my coffin, creak doors, and yell, 'Boo!'
And please, Mr. Claus, don't think ill of my plan.
For I'll do the best Santa job that I can."

And though Jack and his friends thought they'd do a good job,
Their idea of Christmas was still quite macabre.
They were packed up and ready on Christmas Eve day
When Jack hitched his reindeer to his sleek coffin sleigh,
But on Christmas Eve as they were about to begin,
A Halloween fog slowly rolled in.
Jack said, "We can't leave; this fog's just too thick.
There will be no Christmas, and I can't be St. Nick."
Then a small glowing light pierced through the fog.
What could it be?. . .It was Zero, Jack's dog!

Jack said, "Zero, with your nose so bright,
Won't you guide my sleigh tonight?"

And to be so needed was Zero's great dream,
So he joyously flew to the head of the team.
And as the skeletal sleigh started its ghostly flight,
Jack cackled, "Merry Christmas to all, and to all a good night!"

'Twas the nightmare before Christmas, and all though the house,
Not a creature was peaceful, not even a mouse.
The stockings all hung by the chimney with care,
When opened that morning would cause quite a scare!
The children, all nestled so snug in their beds,
Would have nightmares of monsters and skeleton heads.
The moon that hung over the new-fallen snow
Cast an eerie pall over the city below,
And Santa Claus's laughter now sounded like groans,
And the jingling bells like chattering bones.
And what to their wondering eyes should appear,
But a coffin sleigh with skeleton deer.
And a skeletal driver so ugly and sick
They knew in a moment, this can't be St. Nick!
From house to house, with a true sense of joy,
Jack happily issued each present and toy.
From rooftop to rooftop he jumped and he skipped,
Leaving presents that seemed to be straight from a crypt!
Unaware that the world was in panic and fear,
Jack merrily spread his own brand of cheer.

He visited the house of Susie and Dave;
They got a Gumby and Pokey from the grave.
Then on to the home of little Jane Neeman;
She got a baby doll possessed by a demon.
A monstrous train with tentacle tracks,
A ghoulish puppet wielding an ax,
A man eating plant disguised as a wreath,
And a vampire teddy bear with very sharp teeth.

There were screams of terror, but Jack didn't hear it,
He was much too involved with his own Christmas spirit!
Jack finally looked down from his dark, starry frights
And saw the commotion, the noise, and the light.
"Why, they're celebrating, it looks like such fun!
They're thanking me for the good job that I've done."
But what he thought were fireworks meant as goodwill
Were bullets and missiles intended to kill.
Then amidst the barrage of artillery fire,
Jack urged Zero to go higher and higher.
And away they all flew like the storm of a thistle,
Until they were hit by a well guided missile.
And as they fell on the cemetery, way out of sight,
Was heard, "Merry Christmas to all, and to all a good
night."

Jack pulled himself up on a large stone cross,
And from there he reviewed his incredible loss.
"I thought I could be Santa, I had such belief"
Jack was confused and filled with great grief.
Not knowing where to turn, he looked toward the sky,
Then he slumped on the grave and he started to cry.
And as Zero and Jack lay crumpled on the ground,
They suddenly heard a familiar sound.

"My dear Jack," said Santa, "I applaud your intent.
I know wreaking such havoc was not what you meant.
And so you are sad and feeling quite blue,
But taking over Christmas was the wrong thing to do.
I hope you realize Halloween's the right place for you.
There's a lot more, Jack, that I'd like to say,
But now I must hurry, for it's almost Christmas day."
Then he jumped in his sleigh, and with a wink of an eye,
He said, "Merry Christmas," and he bid them good bye.

Back home, Jack was sad, but then, like a dream,
Santa brought Christmas to the land of Halloween.

the end

O poema interpretado pelo ator Patrick Stewart






domingo, 2 de novembro de 2008

How to disappear completely

Radiohead

That there
Thats not me
I go
Where I please
I walk through walls
I float down the liffey
Im not here
This isnt happening
Im not here
Im not here

In a little while
Ill be gone
The moments already passed
Yeah its gone
And Im not here
This isnt happening
Im not here
Im not here

Strobe lights and blown speakers
Fireworks and hurricanes
Im not here
This isnt happening
Im not here
Im not here

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Merda acontece!

Existe um ditado inglês que diz: "Shit happens". Ele é usado sempre que algo ruim acontece e não se pode fazer muita coisa a respeito. Abaixo está uma quase completa lista ideológica e religiosa.

Taoísmo: merda acontece.
Confucionismo: Confúcio diz, “merda acontece”.
Budismo: se merda acontece, não é realmente uma merda.
Budismo Zen: merda é, e não é.
Budismo Zen 2: qual é o som da merda acontecendo?
Hinduismo: esta merda já aconteceu antes.
Islamismo: se merda acontece, é porque é a vontade de Alá.
Islamismo2: se merda acontece, mate a pessoa responsável.
Islamismo3: se merda acontece, a culpa é de Israel.
Catolicismo: se merda acontece, é porque você mereceu.
Protestantismo: deixe que a merda aconteça a outra pessoa.
Presbiterianos: esta merda tinha que acontecer.
Episcopais: não é tão ruim que a merda aconteça, desde que você sirva o vinho certo com ela.
Metodistas: não é tão ruim que a merda aconteça, desde que você sirva suco de uva com ela.
Luteranos: se a merda acontecer, não fale a respeito.
Fundamentalismo: se merda acontecer, você vai para o inferno, a não ser que você nasça novamente. (Amém!)
Fundamentalismo 2: se a merda acontecer para um cristão, está tudo bem.
Fundamentalismo 3: a merda deve renascer.
Judaísmo: por que essa merda acontece sempre com a gente?
Calvinismo: a merda acontece porque a gente não trabalha.
Adventistas do sétimo dia: merda nenhuma acontecerá no sábado.
Criacionismo: Deus fez toda a merda.
Humanismo secular: a merda se desenvolve.
Ciência cristã: quando a merda acontecer, não chame um médico: reze!
Ciência cristã 2: a merda que acontece está apenas em sua mente.
Unitarismo: vamos juntos pensar nessa merda.
Quakers: não briguemos por essa merda.
Utopistas: está merda não fede.
Darwinistas: está merda um dia já foi comida.
Capitalismo: esta é a MINHA merda.
Comunismo: a merda é de todos.
Feminismo: homens são a merda.
Chovinistas: podemos ser uma merda, mas vocês não vivem sem a gente...
Comerciantes: vamos embalar essa merda.
Impressionismo: à distância, a merda parece um jardim.
Idólatra: a merda merece uma estátua de bronze.
Existencialismo: a merda não acontece; a merda É.
Existencialismo 2: o que é merda, afinal?
Estóico: esta merda é boa para mim.
Hedonismo: nada é melhor que uma boa merda acontecendo.
Mórmons: Deus nos enviou esta merda!
Mórmons: esta merda vai acontecer de novo.
Wicca: se não fizer mal a ninguém, deixe que a merda aconteça.
Cientologia: se a merda acontecer, leia a página 157 da “Dianética”.
Testemunhas de Jeová: toc, toc, merda acontece.
Testemunhas de Jeová 2: poderíamos tomar um pouquinho do seu tempo para mostrar um pouco na nossa merda?
Testemunhas de Jeová 3: a merda foi profetizada, apenas os justos e escolhidos sobreviverão.
Hare krishna: merda acontece, rama rama.
Rastafaris: vamos fumar essa merda.
Zoroastrismo: a merda acontece a metade do tempo.
Práticos: lide com a merda um dia por vez.
Agnósticos: a merda pode ter acontecido; ou talvez não.
Agnósticos 2: alguém fez merda?
Agnósticos 3: que merda é essa?
Ateísmo: que merda?
Ateísmo 2: não acredito nessa merda.
Satanismo: ECETNOCA ADREM.

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Reformat The Planet


BLIP FESTIVAL: REFORMAT THE PLANET trailer from 2 Player Productions on Vimeo.

Sabe quando você assiste um filme e fica pensando "Putz! Que filme bacana!"? Essa foi a sensação que tive quando vi o filme "Reformat the planet". Trata-se de um dos filmes mais surpreendentes do ano. É um documentário muito bem filmado e tudo gira em torno de música eletrônica (chiptune music ou, ainda, música de chip), games, performers e gameboys!

É difícil imaginar a Nintendo pensando que pessoas poderiam “hackear” seus Gameboys para criar concertos musicais – concertos que seriam inspiração para um documentário e para um gênero musical totalmente novo.

Por uma semana, é possível assistir este filme no site Pitchfork.tv. Ele foi dividido em capítulos e ajustado para que o tempo de loading não seja muito demorado.

Se você cresceu jogando em Nintendo 8 bits ou Gameboy vai se ver batendo o pé ao ritmo da música ao longo de todo o filme. Isso sem falar daquele sentimento – um misto de nostalgia e alegria repentina – que é difícil de explicar, mas que faz brotar um sorriso no canto da boca e dizer: “Putz! Que filme bacana!”.

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Radiohead - In Rainbows

Pelo tanto que já se falou deste disco desde que foi lançado – palavras ditas e escritas, reais, a respeito de um projeto baseado na virtualidade; afinal este é o primeiro álbum de um grupo importante comercializado inteiramente via Internet – que a discussão sobre o “como” tornou obscuro o debate sobre “o quê”, sobre a qualidade intrínseca da música.

Agora que a poeira parece ter assentado e após o disco ter sido lançado na forma mais tradicional, é possível analisar a questão musical. Como já se tornou rotina no que diz respeito ao Radiohead, a música continua de altíssima qualidade. Apesar de sempre haver aquela inevitável comparação com os discos anteriores, pode-se dizer que os músicos retornam para mais um trabalho em que demonstram o porquê de formarem uma das bandas mais influentes da música atual. Em todas as dez faixas do disco há um senso de urgência de concretização, de um rock tanto pulsante quanto intelectual, que agrada e impulsiona.

Todas as canções se caracterizam pela pesquisa experimental, mas sempre com uma jovialidade que se torna dominante em faixas como “Bodysnatchers”, ou insinuante como o toque de harpas em “Weird fishes (Arpeggi!)”, ou ainda com a cadência sedutora de “All I need”. Os sons são sombrios mas límpidos, a voz é quente, privada daquela espécie de tensão presente, por exemplo, em Amnesiac.

E o melhor de tudo, são canções “rodáveis”/“executáveis”, porque já foram pensadas para execução ao vivo, e não como matéria de laboratório aberta a infinitas experimentações. Dessa forma, trata-se de um álbum concreto que, no início, foi vendido de forma imaterial; mais uma bela contradição do Radiohead.

Nude

Radiohead



Don't get any big ideas
They're not gonna happen
You paint yourself white
And feel up with noise
But there'll be something missing

Now that you've found it, it's gone
Now that you feel it, you don't
You've gone off the rails

So don't get any big ideas
They're not going to happen
You'll go to hell for what your dirty mind is thinking

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Poética

Cesare Pavese

O menino se dá conta de que a árvore é viva.
Se as tenras folhas se abrem a força
uma luz, rompendo impiedosa, a dura casca
deve sofrer muito. Apenas vive em silencio.
Todo o mundo é coberto de plantas que sofrem
na luz, e não se ouve sequem um suspiro.
É uma luz tenra. O menino não sabe
de onde vem, já é tarde; mas cada tronco revela
sobre um fundo mágico. Após um momento é escuro.

O menino – alguém permanece menino
muito tempo – que tinha medo do escuro,
vai pela rua e não presta atenção às casas escurecidas
no crepúsculo. Curva a cabeça à escuta
de uma lembrança remota. Nas ruas desertas
como praças, acumula-se um grave silêncio.
O caminhante poderia estar apenas num bosque,
onde as árvores fossem enormes. A luz
com um arrepio corre os lampiões. As casas
deslumbradas transpiram no vapor azul claro,
e o menino levanta os olhos. Aquele silêncio remoto
que prendia a respiração do caminhante, floresce
na luz súbita. São as árvores antigas
do menino. E a luz é o encanto de outrora.

E alguém, no diáfano circulo, começa
a passar em silencio. Pela rua ninguém
jamais revela a pena que morde a vida.
Andam rápido, cada um como que absorto em seu passo,
e grandes sombras ondulam. Têm as faces enrugadas
e as olheiras dolentes, mas nenhum se lamenta.
Todas as noites, na luz azul clara,
vão como num bosque, entre as casas infinitas.


Poetica
Cesare Pavese

Il ragazzo s'è accorto che l'albero vive.
Se le tenere foglie si schiudono a forza
una luce, rompendo spietate, la dura corteccia
deve troppo soffrire. Pure vive in silenzio.
Tutto il mondo è coperto di piante che soffrono
nella luce, e non s'ode nemmeno un sospiro.
E' una tenera luce. Il ragazzo non sa
donde venga, è già sera; ma ogni tronco rileva
sopra un magico fondo. Dopo un attimo è buio.

Il ragazzo - qualcuno rimane ragazzo
troppo tempo - che aveva paura dei buio,
va per strada e non bada alle case imbrunite
nel crepuscolo. Piega la testa in ascolto
di un ricordo remoto. Nelle strade deserte
come piazze, s'accumula un grave silenzio.
Il passante potrebbe esser solo in un bosco,
dove gli alberi fossero enormi. La luce
con un brivido corre i lampioni. Le case
abbagliate traspaiono nel vapore azzurrino,
e il ragazzo alza gli occhi. Quel silenzio remoto
che stringeva il respiro al passante, è fiorito
nella luce improvvisa. Sono gli alberi antichi
del ragazzo. E la luce è l'incanto d'allora.

E comincia, nel diafano cerchio, qualcuno
a passare in silenzio. Per la strada nessuno
mai rivela la pena che gli morde la vita.
Vanno svelti, ciascuno come assorto nel passo,
e grandi ombre barcollano. Hanno visi solcati
e le occhiaie dolenti, ma nessuno si lagna.
Tutta quanta la notte, nella luce azzurrina,
vanno come in un bosco, tra le case infinite.

sábado, 21 de junho de 2008

Hora severa

Rainer Maria Rilke

Quem agora chora em algum lugar no mundo,
sem motivo chora no mundo,
chora por mim.

Quem agora ri em algum lugar na noite,
sem motivo ri na noite,
se ri de mim.

Quem agora caminha em algum lugar no mundo,
sem motivo caminha no mundo:
caminha até mim.

Quem agora morre em algum lugar no mundo,
sem motivo morre no mundo,
olha para mim.


Ernste Stunde
Rainer Maria Rilke

Wer jetzt weint irgendwo in der Welt,
ohne Grund weint in der Welt,
weint über mich.

Wer jetzt lacht irgendwo in der Nacht,
ohne Grund lacht in der Nacht,
lacht mich aus.

Wer jetzt geht irgendwo in der Welt,
ohne Grund geht in der Welt,
geht zu mir.

Wer jetzt stirbt irgendwo in der Welt,
ohne Grund stirbt in der Welt:
sieht mich an.

Rainer Maria Rilke, Mitte Oktober 1900, Berlin-Schmargendorf

domingo, 15 de junho de 2008

O momento da criação poética

Bob Dylan em trecho do filme "No direction home", Martin Scorsese.



I'm looking for a place that will "collect, clip, bath," and return my dog, KN1-7727, cigarettes and tobacco. Animals and birds bought or sold on commission.

I want a dog that's gonna collect and clean my bath, return my cigarette and give tobacco to my animals and then give my birds a commission.

I'm looking for somebody to sell my dog, collect my clip, buy my animal, and straighten out my bird.

I'm looking for a place to bathe my bird, buy my dog, collect my clip, sell me cigarettes and commission my bath.

I'm looking for a place that's going to collect my commission, sell my dog, burn my bird, and sell me to the cigarette.

Going to bird my buy, collect my will, and bathe my commission.

I'm looking for a place that's going to animal my soul, knit my return, bathe my foot, and collect my dog. Commission me to sell my animals, to the bird to clip and buy my bath and return me back to the cigarettes.

Procuro um lugar que "arrume, corte o pêlo, dê banho" e devolva meu cachorro, KN1-7727. Cigarros e tabaco. "Vendemos e compramos pássaros em comissão."

Eu quero um cachorro que arrume e limpe meu banheiro e devolva meu cigarro dê tabaco aos meus animais e aí dê uma comissão aos meus pássaros.

Procuro alguém que venda meu cachorro corte meu cabelo, compre meu animal e enderece ao meu pássaro.

Procuro um lugar que dê banho no meu pássaro compre meu cachorro, corte meu cabelo me venda cigarros e dê comissão ao meu banho.

Procuro um lugar que recolha minha comissão, venda meu cachorro, queime meu pássaro e me venda ao cigarro.

Vou passarear minha compra, pegar meu desejo, e dar banho na minha comissão.

Procuro um lugar que animalize minha alma, enlace meu retorno, lave meu pé e arrume meu cachorro. Me dê uma comissão por vender meus animais, ao pássaro por cortar e comprar meu banho e me devolver aos cigarros.

sábado, 7 de junho de 2008

Sobre meninos e homens

Hoje quando voltava para casa depois da aula de violão, parei o carro no semáforo e, enquanto esperava, vi algumas crianças. Uns três meninos estavam do lado de fora do portão de uma casa e dentro havia três ou quatro meninas. Se fosse apenas isso, não haveria nada de mais, o que me chamou a atenção foi que os meninos atiravam pedrinhas nas meninas.

Após o choque inicial, parei para tentar entender aquilo e cheguei a conclusão de que essa era a forma, por mais estranha que possa parecer, que eles encontraram para expressar o interesse por elas; um jeito de dizer: “Oi, achei você muito bonita! Quero te conhecer”, no mais grosseiro estilo de um menino de 11 anos (que nesse aspecto, não se distingue muito de suas versões crescidas, talvez apenas pelo tamanho das pedras).

O fato é que aquilo me fez pensar no modo como nos relacionamos com aqueles que gostamos. Por que é tão difícil conversar com outra pessoa de forma sadia e natural? Por que custa tanto se desarmar e se aproximar de quem se gosta/ama para simplesmente dizer de maneira franca aquilo que se sente?

Talvez seja mais fácil responder com pedra a um “saidaquifidaputa” do que enfrentar a incerteza do que poderia advir a um “Oi, meu nome é... queria te conhecer melhor”.

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Italian Spiderman

A versão italiana do Homem-Aranha, dos anos 60, finalmente viu a luz do dia. Italian Spiderman começou a ser exibido no YouTube na semana passada, e terá cenas disponibilizadas semanalmente no website e na página do filme no MySpace.


O filme foi produzido entre 1964 e 1968 pela Alrugo Entertainment, do italiano Alfonso Alrugo. O diretor Gianfranco Gatti e o astro Franco Franchetti - nomes mais famosos da produtora - acabaram afundando suas carreiras quando as distribuidoras consideraram o filme "inassistível".

A única cópia do filme estava perdida em um navio cargueiro que afundou em viagem para os EUA. Segundo os últimos desejos de Alfonso Alrugo, seus netos Vivaldi e Verdi fizeram uma expedição submarina que reencontrou os rolos. É esta versão, remasterizada, que chega agora à Internet.




Fantástico, né? Pois é tudo uma grande piada da Alrugo Entertainment - na verdade, uma produtora montada por estudantes de cinema australianos que se especializou em filmes deliciosamente trash parodiando as piores produções de ação e ficção científica dos anos 60.

Italian Spiderman foi criado como trabalho para a Flinders University, de Adelaide, Austrália. Mas claro que a história fictícia dos primeiros parágrafos - inventada pelos cineastas para dar mais "autoridade" à produção - é bem mais interessante.

Vale a pena conferir também os hilários trailers do filme - principalmente os que focam o frondoso bigode do protagonista.

Fonte: Omelete

À espera dos bárbaros

Constantino Kaváfis (1863-1933)  O que esperamos na ágora reunidos?  É que os bárbaros chegam hoje.  Por que tanta apatia no senado?  Os s...