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O passado é o que empurra você e eu e todos da mesmíssima maneira. E a noite pertence a você e a mim e a todo mundo. E o que ainda não foi tentado e o que vem depois é pra você e pra mim e pra todo mundo.
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Walt Whitman
"Arriscar-se é perder o equilíbrio por uns tempos, mas não se arriscar é perder-se a si mesmo para sempre." - Søren Aabye Kierkegaard
domingo, 17 de fevereiro de 2008
domingo, 10 de fevereiro de 2008
Aniversário
Álvaro de Campos
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a.olhar para a vida, perdera o sentido da vida.
Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho... )
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!
O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos ...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!
Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas, o resto na sombra debaixo do alçado,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos. . .
Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira! ...
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a.olhar para a vida, perdera o sentido da vida.
Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho... )
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!
O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos ...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!
Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas, o resto na sombra debaixo do alçado,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos. . .
Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira! ...
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...
sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008
La speranza
Cesare Pavese
Verrà la morte e avrà i tuoi occhi
questa morte che ci accompagna
dal mattino alla sera, insonne, sorda,
come un vecchio rimorso o un vizio assurdo.
I tuoi occhi saranno una vana parola,
un grido taciuto, un silenzio.
Cosi li vedi ogni mattina
quando su te sola ti pieghi nello specchio.
O cara speranza,
quel giorno sapremo anche noi
che sei la vita e sei il nulla..
..per tutti la morte ha uno sguardo.
Verrà la morte e avrà i tuoi occhi.
Sarà come smettere un vizio,
come vedere nello specchio,
riemergere un viso morto,
come ascoltare un labbro chiuso.
Scenderemo nel gorgo muti.
A esperança
Cesare Pavese
Virá a morte e ela terá os teus olhos
esta morte que nos acompanha
da manhã até a noite, insone, surda,
como um velho remorso ou um vício absurdo.
Os teus olhos serão uma vã palavra,
um grito não dado, um silencio.
Assim os vê cada manhã
quando sobre ti sozinha te inclinas no espelho.
Ó cara esperança,
aquele dia saberemos também nós
que és a vida e és o nada...
...para todos a morte tem um olhar.
Virá a morte e ela terá os teus olhos.
Será como parar um vício,
como ver no espelho,
re-emergir uma figura morta,
como escutar um lábio fechado.
Desceremos no redemoinho mudos.
Verrà la morte e avrà i tuoi occhi
questa morte che ci accompagna
dal mattino alla sera, insonne, sorda,
come un vecchio rimorso o un vizio assurdo.
I tuoi occhi saranno una vana parola,
un grido taciuto, un silenzio.
Cosi li vedi ogni mattina
quando su te sola ti pieghi nello specchio.
O cara speranza,
quel giorno sapremo anche noi
che sei la vita e sei il nulla..
..per tutti la morte ha uno sguardo.
Verrà la morte e avrà i tuoi occhi.
Sarà come smettere un vizio,
come vedere nello specchio,
riemergere un viso morto,
come ascoltare un labbro chiuso.
Scenderemo nel gorgo muti.
A esperança
Cesare Pavese
Virá a morte e ela terá os teus olhos
esta morte que nos acompanha
da manhã até a noite, insone, surda,
como um velho remorso ou um vício absurdo.
Os teus olhos serão uma vã palavra,
um grito não dado, um silencio.
Assim os vê cada manhã
quando sobre ti sozinha te inclinas no espelho.
Ó cara esperança,
aquele dia saberemos também nós
que és a vida e és o nada...
...para todos a morte tem um olhar.
Virá a morte e ela terá os teus olhos.
Será como parar um vício,
como ver no espelho,
re-emergir uma figura morta,
como escutar um lábio fechado.
Desceremos no redemoinho mudos.
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