Não muito tempo atrás, em uma galáxia tão incrivelmente remota que, durante toda sua longa história, jamais teve contato com outros sistemas solares, existia a Perfeição. Nós a chamávamos de Czarnia. Terra do coração. Harmonia. Céu. Lar de uma das mais nobres e maravilhosas raças que já afloraram do ventre universal.
Czarnia. Paraíso de paz, amor e felicidade, onde os dias eram longos e as noites doiradas. Um mundo no qual todos os sonhos se realizavam. Não havia guerra, nem fome. A morte existia apenas para aqueles que a escolhiam como uma alternativa de vida eterna. Não havia violência, ou, nem mesmo, um termo para “briga”, “disputa” ou “ódio”, além do que seria traduzível como: “Eu discordo brandamente de você e desejo estabelecer um diálogo visando a uma resolução. Antes, entretanto, vamos compartilhar de um pouco de néctar ou ambrosia enquanto admiramos a forma perfeita de algum esteticamente enlevado trabalho artístico”.
Mas a serpente nasceu no Éden... e o nome do demônio era Lobo.
É dito que a parteira sentiu uma estranha e desconhecida sensação na hora do nascimento. “O diabo!”. Ela gritou. “O diabo encarnado!”. Ninguém sabia do que a mulher estava falando. Aquela mártir anônima recebeu a duvidosa honra de ser a primeira vítima do Lobo. Ela tornou-se a primeira doente mental do planeta em mais de dez milhões de anos, e ninguém jamais soube por que se recusou a reproduzir os quatro dedos que o maléfico Bebe das Trevas arrancou com uma mordida. Os maiores pensadores de Czarnia – as melhores mentes que já existiram – passaram anos analisando o fenômeno Lobo. Foram infinitas teorias: o Gene Anômalo; Possessão Demoníaca; Hipótese do Bode Expiatório, segundo a qual afirmavam que ele era o modo de o Universo balancear a superabundância de coisas boas em Czarnia; a Seita da Incerteza das Coisas de Heideleidle, cujos seguidores insistiam que Lobo “aconteceu” em Czarnia por mero azar, pois ele iria se manifestar de qualquer forma em algum lugar ou algum tempo.
Outros, como a professora de jardim da infância Lubla Blak, não tinham tempo para fantasias. “Lobo era um bastardo perverso”, disse ela em sua entrevista pouco antes de sua morte prematura causada por um misterioso bombardeiro napalm. Lubla acreditava que, por alguma peculiaridade, o poder mental pleno dos czarnianos canalizados para a intensificação da vida foi revertido no surgimento de Lobo. Toda sua vontade, sua energia, sua habilidade era direcionada no que pode ser chamado de destruição generalizada.
Com toda certeza, ele abriu um atalho através da intelectualidade gloriosa do sistema educacional czarniano. Ele nunca estudou e, já que podia surrar um colega (ou um professor), logo passou a “administrar” sua escola. Mesmo com a idade de 5 anos, o diabólico garoto era incrivelmente feroz. Esta característica foi testemunhada pelo seu primeiro e único diretor. Egon N’g, que teve a garganta rasgada durante um acesso de raiva do rebelde estudante. Quando os vizinhos o encontraram, uma mensagem escrita com sangue no chão: “Minha fé na bondade natural da ordem das Coisas foi severamente abalada, se não totalmente destruída. Eu me uno ao universal. Adeus, Paraíso! P.S.: para o seu bem, criem os conceitos de Punição, Polícia e Prisão”.
Sim, para tal recado foi preciso muito sangue. E, Consequentemente, o Sr. N’g levou um bom tempo morrendo. Houve calorosas discussões. Enquanto isso, nas salas de aula de Czarnia, sangue derramado, corpos mutilados e ossos quebrados marcavam a evolução da Serpente. Uma era havia terminado. Na longínqua galáxia um tambor abafado começou a ser batido, anunciando a passagem da perfeição.
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