domingo, 19 de junho de 2005

Soneto de fidelidade

Soneto de fidelidade
Vinicius de Moraes

De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa lhe dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure



Estoril - Portugal, 10.1939

Consertam-se Jegues

Consertam-se jegues



O cabra da peste vinha montado no jegue, quando, de repente, o animal empaca. E, como todo jegue que se preza, não sai mais do lugar de jeito nenhum. O sujeito faz de tudo e nada. Lá na curva ele vê uma faixa: "Consertam-se Jegues".


Entre aliviado e curioso ele caminha até lá e conta o problema. O dono da oficina manda seu ajudante em um caminhão para rebocar jegue. Chegando no local, o guindaste levanta o asno, coloca no caminhão e toca todo mundo para a oficina. Quando chegam, o dono da oficina fala para o ajudante:

- Severino, bota ele na rampa.

O guindaste desce o jegue numa rampa. Aí, o dono da oficina pega uma raquete de madeira (tipo frescobol), chega por trás e dá uma raquetada no saco do jegue. Santo remédio: o animal sai numa disparada! O dono do jegue fica abobado com a eficiência do serviço, mas tem uma dúvida e pergunta:

- Mas e agora, cumé que vou pegar o jegue?

Aí o dono da oficina fala para o ajudante:

- Ô Severino, bota o homi na rampa...

sábado, 4 de junho de 2005

Carta

Carlos Drummond de Andrade

Bem quisera escrevê-la
Com palavras sabidas,
As mesmas, triviais,
Embora estremecessem
A um toque de paixão.
Perfurando os obscuros
Canais de argila e sombra,
Ela iria contando
Que vou bem, e amo sempre
E amo cada vez mais
A essa minha maneira
Torcida e reticente,
E espero uma resposta,
Mas que não tarde; e peço
Um objeto minúsculo
Só para das prazer
A quem pode ofertá-lo;
Diria ela do tempo
Que faz do nosso lado;
As chuvas já secaram,
As crianças estudam,
Uma última invenção
(inda não é perfeita)
faz ler nos corações,
mas todos esperamos
rever-nos bem depressa.
Muito depressa, não.
Vai-nos tornando o tempo
Estranhamento longo
Á medida que encurta.
O que ontem disparava,
Desbordado alazão,
Hoje se paralisa
Em esfinge de mármore,
E até o sono, o sono
Que era grato e era absurdo
É um dormir acordado
Numa planície grave.
Rápido é o sonho, apenas,
Que se vai, de mandar
Notícias amorosas
Quando não há amor
A dar ou receber;
Quando só há esperança,
Ainda menos, pó,
Menos ainda, nada,
Nada de nada em tudo,
Em mim mais do que em tudo,
E não vale acordar
Quem acaso repouse
Na colina sem árvores.
Contudo, esta é uma carta.

À espera dos bárbaros

Constantino Kaváfis (1863-1933)  O que esperamos na ágora reunidos?  É que os bárbaros chegam hoje.  Por que tanta apatia no senado?  Os s...